sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ao Entardecer

Ao cair da tarde de um tempo sem primaveras possíveis, lamento a memória a insistir com o espelho saudoso, mostrando as lembranças do menino que ficou velho.

Já as velhas ruas estreitas apagaram as cenas da inocência, sem destino, onde o menino corria só por correr, exercitando os pés descalços.

Também o rio outrora rico em peixes, hoje pequeno riacho poluído geme.
E não sei se a me imitar ou se eu é que o imito na morte lenta a gemer.

Os guardiões da infância, os velhos patriarcas vigilantes dos meninos, também já lá não estão.

Tudo que a memória insiste em manter fixo no espelho, até em fotografia amarelou pálida e muito triste.

A saudade sim, infinda e melancolicamente bela vela por mim do alto de um sorriso bicolor misterioso.

Desdenhosa e sem compaixão exibe a cor lilás, e só não me desafia por estar engessada numa forma ética e conter cimento amoroso ancestral por mim mesmo aí derramado, quando prevalece a cor bronze ferruginosa.

Mas como também andei em tempos infantes afoito com ironias e desdém, desdenha sutilmente de mim num sorriso leve, a minha saudade.

Além daqui nas folhas levemente agitadas marca a sua passagem um vento suave que abstratamente futuro é só uma esperança.

Em quais colunas assentada?

Não na fé antiga da infância, a ladainha no altar da igreja ou da capela da Santa Eufêmia em festa anual, que pouca diferença fazem da Ermida da costeira sempre fechada.

Haja filosofia, iniciação, super-fé para pintar hoje o amanhã!

Uma luz estranha desafia o pensamento, desafia, mas aí entra porta adentro apressada e sobe as escadas até o alto: “e alto lá, que eu estou aqui!” grita a saudade.

Ah o amor! Quem dera houvesse já se diluído e espalhado pelo mundo aquele minguado que o guardo por imagens de minhas pessoas!

Bem, pelo menos há pessoas e a elas agradeço este meu começo de gestação do embrião do amor meu.

Mas enquanto assim, amor meu dito, só é ainda embrião universal, mas está bem, já é bendito.

E então? Abre-se a janela com o passar do vento leve e as folhas agitadas falam-me essas coisas e mais não dizem.

Ah, as eleições! Ouço rumores, berros, impropérios...

Passa neste momento um carro de som anunciando o construtor de pontes:
Ponte para a fartura, para a escola de primeiro mundo, ratificando a condição terceiro-mundista, pontes para a segurança, e pontes para a solução de todos os males que há milênios flagelam a humanidade.

Mas nesse há quem acredite, pois ele diz que é amigo do homem e o homem é amigo dele!

Mas esse homem é um ditadorzinho, que se percebe desde muito longe que não tem espelho.
Memória mórbida, talvez ancestral, ele quer ser único!

Entre os insetos seria devorado como desestabilizador parasitário.

Entre os animais só entre as hienas sobreviveria.

Entre os homens é um ídolo do final dos tempos, anunciando o fim da polaridade.
Mal sabe ele que é um divisor de águas!

No país do futuro que ele diz já ter chegado e não chegou, trouxe com ele um parâmetro universal.

Adere a ele o chumbo para ajudar a afundar e prender ao caos, e os ácidos corrosivos para descerrarem o pano de boca do palco onde se encena a peça dos horrores.

Mas do outro lado a essência se enraíza no coração das pessoas boas, e nessa polaridade eis o bem e o mal perfeitamente delineados.

Entretanto, tu, ditador terceiro-mundista, não tens espelho? Não? Não tens sequer uma face!

Simulacro de estadista, aberração humana nem sabes para onde vais depois de desceres à cova, e ainda assim fazes essas coisas?

Pobre anteprojeto de um ser!

Não, tu não revogarás a morte! Talvez calando as opiniões contrárias penses revogar a morte, mas não, tu não revogarás a morte!

3 comentários:

  1. Caríssimo Julio
    O amigo escreve sempre umas prosas,vai lá vai,até a barraca abana,é mais um tratado alquimico kkkk

    O momento saudoso olhando no espelho do menino que ficou velho,é normal,olha o passado o espelho é a porta da memória,verdade se diga que o homem nunca deve perder a pureza de criança,uiiii,nossa senhora,onde isso vai,rsrsr
    Vai daí o grito da saudade e muito bem,para o homem não se esquecer da criança que há em si,mi,dó,lá,ré,kkkkkkk
    É a criança que há em mim que está a escrever,ai,ai,rsrsr
    Claro que o ditador não tem espelho,é melhor assim,quando ele olhasse nenhum ficava inteiro,é lógico que o homem é chumbo,com aquele corpo, e vai continuar a ser,já não muda.
    Aquele quando morrer,morre mesmo,não se aproveita nada,atirado aos vermes,nem as hienas o querem,rsrsr
    Ele divide as águas,mas é melhor não entrar nelas,polui com o ácido.

    E o amor está adormecido,adulterado,perdeu seu significado mais puro.

    Bom fim de semana.
    Fraterno abraço

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  2. Carísima Ana, minha boa amiga Ana, sempre ficam faltando os anseios da infãncia, de cada quadro.
    Imagens breves, mas tão memoráveis na fantasia que ficou no tempo!

    Se existisse um paraíso (para isis) e a possibilidade de ir para lá,voltaria a essa infância.

    E não é retórica saudosa, mas um anseio lacrimoso.
    Sinto-me uma planta arrancada de um lugar natural e replantada no deserto hostil, embora ame esta terra.

    Quem lhe fala agora é o coração do seu amigo, poucas vezes se atreveno a se abrir.

    Feliz tudo

    Fraterno abraço

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  3. Então somos duas plantas,amigo Julio.
    O coração enferruja quando está fechado por muito tempo,kkkk

    Feliz tudo

    Fraterno abraço

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