HOMEM
Os principais atributos que distinguem os homens entre
si reinam no alto, soberanos: sabedoria e amor. E naturalmente as ações que em
seu nome se pratiquem decorrentes e recorrentes dessas supremas virtudes.
Há por isso então há homens sábios, amorosos, e naturalmente
há homens ignorantes e brutos, por lhes faltarem esses atributos maiores.
E não é por outra razão que para os ignorantes a
suprema conquista concentra-se nos bens materiais e nas paixões, e os seus sensores
mais ativos giram em torno dos desejos mais densos e fúteis: a paixão pelo seu
time, por sua religião sectária, pela cor da sua “camisa única”, ainda que
milhões iguais tenham sido produzidas; a música mais barulhenta e rude, a marca
de cerveja determinada pelo tamanho, e, se houver em barril de muitos litros,
melhor ainda, e até um vinho barato, se tivera adquirido o vício de beber vinho,
que hábito já será um estágio um pouquinho melhor acima deles.
E naturalmente, e este é o grande drama, o seu
candidato, via de regra o mais corrupto, e o mais corrupto se destaca dos
outros pela falácia e grande demagogia.
Para outros a erudição acadêmica, cuja linha que siga
preenche uma boa parte de seus celeiros mentais, terrenos e materialista, o que
já não é tão ruim, considerando os ignorantes que nada entendem, embora falem
pelos cotovelos, iludidos e acreditando ver o que ninguém vê, por de fato aí
não haver nada.
Resumidamente isto encerra
os desejos de uma maioria absoluta, incluindo-se aí grande parte da população,
que se contenta em mitigar a fome.
Entretanto, e de alguma
forma, por causa desta maioria é que existem os sábios, que se tornam sábios
por amor ao saber, primeiramente, e depois criar modelos mentais e fórmulas
para servir ao próximo a fim de elevar a mente e o espírito mais esclarecido, de
quem se dispuser a ouvir e a aprender.
Os homens éticos, bem formados, instruídos,
filósofos e sábios congregam na mesma medida do sentimento amoroso a
inteligência, buscando a consciência pelo desejo ingênito de compreender o todo
e redimir os carentes, guiando-os pela senda luminosa da sabedoria, na medida
do possível ensinando meios de saciar as necessidades básicas de modo mais
consciente que por essa via custa menos caminhar.
E não é o objetivo de nenhum
sábio buscar a sabedoria se não para servir, pois sabe, com o desapego de si mesmo
serve ao próximo a si e, portanto a Deus servirá; é isso o que rezam as regras
e os códigos dos Manús, como única fórmula de encontrar Deus.
Por isso é que se diz que o
manto do sábio é a sua humildade adquirida pela renúncia; já a porta sagrada de
seu templo são os seus ouvidos; o altar de suas orações a sua alma, e da
essência nela semeada em conhecimento e amor é que nasce a sua sabedoria
exteriorizada em suas mãos para servir e em seus pés para seguir buscando o
novo.
Pratica as suas orações trabalhando
na busca incansável do esclarecimento e da iluminação mental, na pura intenção
de encontrar o caminho do meio a fim de esclarecer e indicá-lo ao próximo.
Concentra-se a sua busca na
conquista do seu paraíso onde reina a paz e o silêncio; e quando sob o domínio
do silêncio, ouve todas as almas e determina o ritmo do seu tempo, mas a sua
opção em servir é antes a favor dos mais pobres.
O seu mais belo jardim floresce
em seu coração amoroso, e as flores de rara beleza e de raro perfume são as
crianças, como o signo do futuro; e ele sabe que o elo que une e desune todas
as coisas é a mente universal, à qual exercita e vivifica dando-lhe novos
modelos mais perfeitos, dentro dos cânones da justiça universal, pois sabe que
ao pensar estará criando.
A seara onde o sábio cultiva
os frutos mais raros e saborosos e também semeia as suas humildes sementes no seio
da humanidade, é no espaço onde reverbera o som da sua palavra sábia, proferida
com sabedoria; por isso com a sua voz alimenta de entusiasmo a quem o ouve e as
suas falas relatam as obras dignas de servirem de exemplo.
Justo e profundamente
agradecido, reconhece e celebra o terreno já plantado ao longo de muitas eras
por outros mais sábios que ele. E as boas sementes outrora lançadas à terra por
esses grandes sábios, hoje estão presentes nos frutos das grandes conquistas de
espírito.
Por isso, os bons livros para
o sábio são obras sagradas; e os seus nobres autores em todas as áreas do
conhecimento os verdadeiros heróis a quem guarda o mais zeloso respeito.
Com eles aprendera as suas artes,
e entre todas as artes a mais bela é a arte da paciência, por trazer em seu
ventre escritas duas supremas legendas: paz e a ciência; e depois a arte do
jogo do tempo, por tudo estar contido nele.
Sabe, entretanto, que o
tempo não existe; e sabe também que nesta não existência reside a grande
metáfora da vida, entre o ser e não o ser...
Caminha com passos firmes,
porque fez da arte do desapego a leveza do seu movimento, pois ouviu dos
antigos sábios: “quanto mais pesado fizer o mundo, mais o mundo pesará sobre ti”.
Compreende e tolera os mais
intolerantes, porque reconhece neles a si mesmo no dia de ontem; e a sua
intolerância de ontem pode muito bem estar agora com eles!
Faz da prudência a sua arte
mais poderosa, e com ela se defende dos perigos reais ou imaginários; vigia os
seus sentidos como quem guarda os seus inimigos, mas usufrui de todas as artes
que dos sentidos emanam e a nada hostiliza, observando, entretanto, a boa moderação.
A coisa alguma distingue nas
diferenças e a ninguém julga em nome do livre arbítrio universal.
E como ele é o sábio ama,
pensa, trabalha e confia; mas prudentemente vigia as entradas de sua régia
residência, porque a mantenha sempre de portas abertas.
Abraça amorosamente todas as
coisas sem distinção, mas serenamente, em seu coração agasalha as crianças e
sabe que a elas o falso terá de ser desviado.
Pensa com acuidade nos
problemas metafísicos, reconhece os seus efeitos concretos, pois neles o mundo das
formas e o divino se assentam.
Trabalha para o
engrandecimento da inteligência, sem esperar recompensa e sem querer para si os
frutos da sabedoria, porque sabe que lhe serão inúteis se a todos não servirem.
“Para que serviria a
sabedoria, se por ignorância o homem escraviza outro homem, que sofre e se
penaliza?” É esta a pergunta que freqüentemente o sábio a si mesmo faz.
Confia em si mesmo e em
todos os homens, pois sabe por experiência que errar é a lição mais preciosa
com a qual se solidifica a experiência.
Reconhece e respeita nos
erros os benéficos dos obstáculos a serem vencidos, para que existam vitórias e
vencedores.
Espera, e enquanto o faz ao
seu pensamento exercita, porque isto dele espera o universo; sabe também que a
forma mental que criar assim pelo mundo mental espalhar-se-á. Por isso, vigia
os seus pensamentos.
Com eles aprendeu que o
templo do sábio é o seu corpo, por isso deve ser muito bem zelado; e se o altar
do sábio é a sua alma, deve mantê-la sempre límpida e transparente.
Já o templo maior do sábio é
o próprio universo, e o seu altar coletivo rodeado das almas de todos os homens;
e à guarda de todas as vidas concentra a sua luta.
Por isso deve unificar os
seus esforços em orações, e não há oração superior ao trabalho.