segunda-feira, 20 de maio de 2013

SAUDADE BARROCA



Distanciei-me tanto de mim em busca da perfeição e do mérito, que um dia, ao voltar para casa, espantei-me quando ao chegar à esquina da rua em que morava e de costume virava à esquerda para chegar ao meu destino, não virei.

Nesse dia resolvi seguir em frente e ao andar aproximadamente dez metros dobrei à direita e cheguei inesperadamente ao coração do povoado.

E aí me dei conta, ao encontrar a refrescante e velha fonte jorrando cristalina água, de que há muito tempo não a bebia nem via ou escutava o seu melodioso cantar.

E até levei um susto, ao ver-me refletido na água tão envelhecido, de há muito não olhar para mim!

Tão esquecido e distraído andava que nem mais reparava na vidraça da velha casa em frente ao largo da fonte, que me servira de espelho.

Constatei meio desanimado e talvez até surpreso que o tempo passa mais depressa do que a gente imagina!

Passa... e não espera os nossos cabelos eternamente castanhos e sedosos sem nenhum fio branco; nem a pele lisa, sem rugas, se conserva pelo tempo que nos aprouver.

E então prometi para mim mesmo, a partir daquele momento em que me reencontrei que jamais me afastaria de mim em busca de qualquer artifício. Doravante vou preparar o meu espírito para não levar nenhum susto pela passagem irresistível do tempo.

De algum modo, a minha velha ilusão já sofrera forte abalo ao ver-me de surpresa e constatar o longo período em que andei afastado do centro de minha digna e original morada interior!

A de agora tomarei algumas providências, que até podem parecer supersticiosas, mas adotei o hábito de sair e retornar para casa sempre por lados opostos.

E é de tal jeito que hoje descendo pela única rua de entrada do povoado e chegando à fonte onde quero agora sempre passar, em vez de seguir em frente uns metros e dobrar à esquerda, sigo uns dez metros por uma ruela à direita até chegar a minha casa.

Pela manhã, ao sair dobro à esquerda e desço até á fonte e saio do povoado em direção ao meu destino, para finalmente retornar à minha nova casa psíquica, que agora fica à esquerda dos meus sentimentos e à direita do meu pensamento. 
   
Adotei também o hábito de olhar com mais freqüência para a velha vidraça que voltou a servir-me de espelho, verificando como anda a alma, nestes dias de grandes atribulações.

Estranhamente quando olho nesse espelho, a menina dos olhos, como se costuma chamar o centro dos olhos emite um brilho e volta e meia faz-me piscar; e eu meio sem jeito desvio timidamente o olhar dela, por não compreender a mensagem que insiste em passar-me, a minha atrevida menina dos olhos.

Mas ainda não é isto o que mais preocupação tem-me causado nos últimos tempos, senão uns fluidos lacrimais ocultos que involuntariamente descem pela face esquerda; e eu, pessoalmente os interpreto, pelo fato de ser à esquerda, como sinal de que as coisas externas do coração andam meio conturbadas...

 Ainda muitas campanhas da sociedade se fazem necessárias para aplacar a fome de crianças pobres, num país absolutamente rico, que arrecadando quase metade do PIB explora o povo com os impostos mais caros do mundo e nada lhe oferece em troca?

Mas quando descem esses fluídos lacrimais pela face direita, aí, pelo fato de ser à direita eu não tenho dúvida de que um pedido de socorro clama dos côncavos vales, onde estão erguidas e ilhadas de saber as escolas, que juntamente com alguns professores, alguns poucos e bons professores gritam por socorro.

Mas infelizmente a cada dia a escola sucumbe à margem esquerda da estrada, por onde outrora felizes - embora às vezes até descalços - caminhavam alunos pela manhã fresca de encontro à bafejada aula que ensinava a ler, a escrever e fazer contas, num primeiro momento da infância inocente e feliz!

E num segundo álgebra, educação moral e cívica, boa gramática e correlações do gênero do conhecimento básico, humano e científico, e não havia sequer no horizonte a menor ideia de nuvens escuras fedorentas ideológicas!

E até a alma de uma povoação de alunos bem arejada e feliz cantava o hino nacional, empunhando a bandeira da Pátria ao galgar as arcadas de uma escola tradicional, simples e eficiente!

Sim, aquela escola sem medo ou receio do que ensinava, sente hoje vergonha porque o esquecera. Mas ainda alguns poucos e bons professores choram, descendo as suas lágrimas ora pela minha face direita apedrejada, ora pela minha face esquerda em clamor frente à infanta fome de pão, de escola, de saúde, segurança, de caráter, que nem o secretário ministro, nem o presidente (a) não têm. 

Bem que o povo experimentou o pobre e sem escola prometendo promover riqueza e educação, mas não deu certo; nem poderia que a casa onde nasceu não lhe ofereceu luz, exemplos, meios nem parâmetros éticos nem morais.

Nasceu, abriu os olhos, passou fome e fugiu... E aí, onde há fome e falta herança ingênita de honra, caráter e carma positivo, quem se importa com ética? E da expansão de garoto esperto e “aético” ao maioral, maioral mesmo, não mudou um tostão em nada, nem tem compaixão.

E essa mesma falta de caráter por osmose se espalhando nos governos das corruptelas dos pequenos, médios e grandes municípios, bem como na mesma ordem nos estados e demais células de uma riquíssima nação de bens materiais e de espírito empobrecida, os vermes tomam conta, e as desmoralizações passam a ser culturais.

E então, como a maioria de seus legisladores e executivos sem escola não possua brio, vontade, nem vergonha para redistribuir do que se apropriam - e que nunca lhe pertencera - rolam as minhas lágrimas de infortúnio, por uma fortuna imensurável moída...


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