Cansada de por aqui andar perdida entre promessas e esperanças vãs,
resolveu voltar a seu país, a grande e Nobre Deusa da Arte.
O seu nome continua
sendo “Epopéia Antiga”, e em outra denominação popular “Sem Época”. São os seus
predicados por muitos cobiçados, mas a pouquíssimos assinalados em cânones,
medidas, proporções harmoniosas e estéticas.
Pela ausência desses
atributos nas obras de arte em letras, pinceladas, atitudes, cenas e em todas
as versões deformadas pelo tempo em novidades e dinheiro, é que ela partiu
chorando.
Despediu-se em lágrimas, mas jamais curvou a sua
cabeça; de rosto tenso, sim, mas sereno. Nem olhou do lado quando sua nave
partiu, deixando atrás de si apenas um rastro magnífico de traços, cores,
notas, estrofes, versos, formas geniais entre seus filhos, que até ela foram
despedir-se.
Abraçou-os num afetuoso e demorado abraço e os beijou
no rosto, confiando-lhes também um código secreto ao ouvido para que se não
perca, nem o modelo original nem a essência da arte; às academias legou de
herança alguns livros antigos, tratados de filosofia, letras, arte, ciência,
ética, poesia...
Mas o reitor socialista de uma escola moderna olhou
tais livros com desdém, torcendo o nariz. Ela, porém muito perspicaz olhando
para um discípulo muito querido piscando os olhos a sorrir como quem diz: ele
não sabe de nada!
Também antes de partir visitou algumas entidades de
ensino e as instituições envolvidas com a produção de arte; mas raras foram as
suas palavras. Quando precisou falar a alguém o fez em sigilo, e ao ouvido de
um ou de outro.
Mas quem ouviu deve ter prometido nada revelar, pois
mantiveram o segredo e nunca ninguém soube o que ela dissera.
E esta nobre personagem ninguém mais viu depois que se
fora e deixou poucos filhos; e nem todos sobreviveram; e os que sobreviveram
penam pelo abandono, cuja qualidade talvez peque pelo excesso, em tempos de
escassez de qualidade; embora essas poucas obras sejam absolutamente normais,
mas considerando o tempo e o que se consome...
Quem há de interessar-se por arte, ética, estética,
literatura, se livros abundam sem nada exigem ao pensamento, nem guardam
compromisso com o caráter das coisas sérias e até conduzem ao alto das
academias, e ao estrelato?
Entretanto, e isto não se pode deixar de revelar, nem
esconder: a uma dileta pessoa antes de partir ela teria revelado que voltaria:
ainda nesta vida ou em outra, mas quando o mundo já estiver livre dos fantasmas
que invadiram o lugar dos artífices e os malfeitores o lugar dos homens
honrados.
Ocupando mesmo o lugar dos governantes e ministros,
tanto políticos quanto ecumênicos, apoiados pelos artistas dessa mesma estirpe duvidosa de muito pouca ética.
E quando um senhor de olhar distante, porte altivo e
rosto severo tomou conhecimento de sua partida, olhando o horizonte e fitando o
céu por longo tempo em silêncio, de seus olhos grossas lágrimas se viram rolar
rosto abaixo.
E para este estranho e nobre senhor só uma menina de
aproximados quatro anos correria, ao soltar da mão de sua mãe.
E ao tomá-la no colo com grande carinho, segredara
algumas palavras a seu infantil ouvido, mas nunca essa criança revelara o que
lhe dissera o misterioso cavalheiro, que em seguida desaparecera. Soube-se,
apenas, que no momento em que lhe falava a menina sorria feliz, e o seu
rostinho todo se iluminara!
E então, como diante deste drama a esperança há de
sustentar-se? A deusa das artes e da cultura partiu chorando; o ancião que a
reverenciou a vida inteira - e que também a consultava – chorou copiosamente e só
a uma criança inocente confiou o segredo?
Mas há esperança, ainda, sim, embora frágil consagrada no singelo e puro sorriso daquela criança.
À primeira vista parecerá efêmero, mas não é. Afinal,
o homem pode até chorar e não ser nobre e confiável o seu choro, nem o motivo
pelo qual chore elevado; também a deusa das artes e da cultura pode ter ido
embora prometendo voltar e não poder cumprir a promessa, devido às condições
que impusera. Mas o sorriso da criança não guardará jamais dissimulação, nem é
o motivo porque risse e seu rosto se iluminasse pueril; em seu coração reina a essência
original da paz e da honestidade, que no adulto pereceu ou corrompeu-se.
De qualquer modo caminha o mundo apoiado em duas
hipóteses: uma real e luminosa representada pelo sorriso daquela criança, e a
outra abstrata ou subjetiva na promessa do profeta de todos os tempos e de
todas as doutrinas de um futuro terrível, cujo desfecho coincide com o
desmanche atual de todas as correntes do pensamento humano, muito bem delineado
já terrível no presente no quadro político, religioso. (E se no inicio era o verbo
é compreensível que no final predomine a corruptela da palavra aviltada, sem
crédito, sem essência nem responsabilidade).
De algum modo ao atual desmanche os dois personagens
reafirmaram! Ela que partiu chorando a prometer voltar só depois da tragédia, e
ele que antes de falar ao ouvido da criança também chorou antes de seu
desaparecimento.
Isto, depois de tantos anos de civilização é realmente
constrangedor e quase nada representa enquanto conquista. Todavia são as únicas
coisas confiáveis frente às promessas de céu e salvamento, que em fórmulas
prontas e franquias multiplicam-se todos os dias, oferecidas ao preço do bolso
de cada um. Ainda que por causa destas modernas instituições e igrejas, à boca
de uma criança falte pão.
Mas ainda assim vale a pena estar aqui, principalmente
quem não se deixou contaminar pelo apelo simplório e fácil dos simulacros, e a
esperança resida na única hipótese, mas muito bonita, no sorriso daquela
criança!
E não resta a menor dúvida que esperança mais digna
não há, mesmo para aqueles que precisam acumular fortunas para construírem
altas barreiras, atrás das quais pensando proteger-se.
Todavia em vão, que o céu é alto e já voa por lá o
homem armado com poderosas lentes observando tudo, e ameaçando de cima. Embora
ele próprio possa e venha infalivelmente a cair dessas alturas.
Ou então já embaixo, caso não tenha sido esmagado com
a queda, o será pelas bombas, que sobre ele recairão.
A melhor atitude, diante da realidade extraída desta
metáfora, em que ficaram órfãs as artes e as ciências com o regresso da deusa à
sua pátria, é voltarmos ao simples e natural estado terreno, em que a própria
natureza nos forneça o sustento do corpo e da alma, que o serão também de
espírito.
E naturalmente acreditando no cânone da vida, consagrado
no sorriso das crianças. Porque é natural que uma criança com fome não ria, e
por ser natural rir de incontida e inocente alegria se não faltar o sustento do
corpo e da alma, que hidrate os neurônios onde se processa o pensamento,
primeiro atributo de Deus nesse futuro homem ora ainda criança.
Pena os fantasmas abundarem ainda, comandando
provisoriamente o mundo na mesma medida em que desviam quais roedores, os
provimentos comunitários!
Por isso, e por ser só o que nós podemos fazer, oremos nessa prece:
“Bendito
seja o sorriso luminoso de todos os seres humanos honrados, reverberando o
sorriso dos anjos refletidos na face das nossas crianças!”