sexta-feira, 14 de maio de 2010

DEVANEIOS DE SOFIA

Descia a rua elegantemente trajada, aquela bela mulher, de aproximadamente quarenta anos de idade. Cabelo negro, brilhante bem sedoso solto até a altura dos ombros, seguia de cabeça altiva, levantada; de olhar castanho e sossegado, muito segura de si olhava à distância o caminho largo, na medida e tamanho de sua extensão mental.

Quão bela, era aquela figura humana!

Aos mais desprotegidos de inteligência transmitia misticismo e sedução; já aos melhor resolvidos de inteligência despertava sentimento de admiração e simpatia; mas, aos pretensos conquistadores, de mentira, provocava cobiça; e afinal, o que mais poderiam mentalmente limitados despertar, senão seguindo a emoção instintiva que os governa, como autênticos impúberes psíquicos?

Ela, indiferente, seguia seu caminho de suave e doce mistério.

Ninguém nunca antes a houvera visto, nem tão elegante outra mulher daquele porte por ali passara. O bairro, classe média baixa, mas não miserável.

Equipado com escolas e repartições públicas a contento, e sem a tutela dogmática imposta por nenhuma seita religiosa mais fanática, talvez a exceção fosse o apelo pastoral agressivo e exagerado de um pastor, de um pequeno grupo.

Entretanto, só não estudava quem não queria, e só era inocente e impúbere psíquico quem fosse fraco de vontade, e preguiçoso.

Porém aquela figura feminina de vestido muito fino, talvez de seda, na cor bege, nem gorda nem magra, nem alta nem baixa, passava altiva ante o olhar de todos, que àquela hora da manhã por lá se encontravam, na rua do comercio local, abrindo as suas portas ao público.

Quem seria? Estrangeira? Perguntavam-se. Um pequeno grupo do bairro seguia determinada religião, que não permitia certas “elegâncias” às mulheres, razão pela qual aquela elegante dama despertara tanta admiração entre as moças mais jovens, pertencentes àquela seita, e por estarem já fartas da mordaça quanto ao modo de vestir e arrumar seus corpos e a sua vaidade, feminina, de acordo com o nosso tempo reagiram...

Pois é certo que a espécie feminina reserva surpresas agradáveis, às vezes escondidas debaixo dos dogmas infundados e da fraca fé, pouco importa se vestidas com saias inadequadas, compridas, e roupas íntimas ultrapassadas...

Naturalmente que por aquele remoto estado no tempo do grupo religioso, mulheres belíssimas se escondessem atrás dos pelos, e debaixo dos saiotes de mau gosto!
Ah, mas que a grandeza do ser humano repousa nas diferenças, repousa!

E como ali não seria diferente, uma bela moça, de aproximadados vinte anos, olhar negro muito vivo, rosto corado, alegre, espontânea, falante e já há algum tempo inconformada; rebelde por natureza e inteligência natural, criaria rapidamente uma engenhosa teoria, em cima da passagem elegante e perfumada daquela misteriosa mulher...

E a sua origem e identidade já agora nem importava, porque passasse à condição de uma enviada inspiradora, motivo de orgulho para quem a vira passar.

Sofia, este era o nome da jovem rebelde, tinha certeza e afirmava às suas amigas, que aquela mulher passara por ali com a finalidade de servir de exemplo superior,e que era chegado o momento de acabarem com aquelas crendices e atrasos dogmáticos impostos por aquele atrasado líder.

Afinal, que deus era o dele que não permitia higienizar as partes pudentes, nem usar roupas íntimas adequadas nem mesmo uma calça comprida, ou acreditar num simples horóscopo? Vendiam calcinhas lindíssimas e sensuais para as mulheres vizinhas que não pertenciam à seita, e elas eram obrigadas a usar “aquilo”?
Relações mais íntimas eram impossíveis, porque era pecado, inclusive usar preservativo!

Não, não era justo! E pelo fato de aquela misteriosa mulher desaparecer rua afora sem ter entrado em lugar algum nem falado com ninguém, esse era o código secreto e a mensagem para a rebelião.

Belíssimo motivo lhes dera Deus, através daquela mulher moderna, elegante, cuja roupa marcava as formas de seu corpo maravilhoso, e logo a teoria de libertação seria seguida por outras prisioneiras jovens e mulheres casadas.

E assim se juntaram a Sofia, acreditando realmente na missão daquela deusa passar por ali para libertá-las! Tanto que, a partir daquele momento no sentimento de gratidão daquelas moças e senhoras foi tanta que a elevaram à categoria imortal de um mito libertador, já pouco importando seu nome ou de onde viera.

E a noticia rapidamente começou a se espalhar de boca em boca, e o líder religioso que já não era visto com bons olhos pelas mulheres mais jovens, o viam agora um ditador atrasado, carrasco e ignorante.

E de fato viria a revelar-se provocando intrigas, para evitar a debandada geral de sua igreja.

E assim aquela jovem que há pouco tempo era a sua queridinha Sofia, era agoar a herege, a traidora acusada nas conversas ao pé de ouvido, que o líder mantinha com as mais fanáticas seguidoras.

E até em público durante as sua pregações tentava ridicularizar a jovem Sofia, ironizando-a em alto e bom som tratando o caso como os “os pobres devaneios de Sofia”.

Porém já não surtia efeito a sua cantilena de sabotagem oral, pois a maioria das mulheres não acreditava mais na sua argumentação de iletrado líder, que via agora seu rebanho debandar.

Mas debandava em segurança, que não a há superior à da consciência sem medo da falsa vingança divina!

E foi assim que a passagem silenciosa daquela mulher, belíssima e de corpo magnífico acentuando pela roupa ajustada, conseguiu com o seu mistério e altivez femininos transformar a consciência daquelas mulheres, que ainda há pouco gravitavam em torno do pastor semi-analfabeto e fanático.

Aos poucos passaria a ser uma comunidade normal, eclética, livre e de pluralidade religiosa, com direito ao uso de roupas modernas de acordo com as posses e gosto pessoal, e o sexo seguro e sadio de acordo com o livre arbítrio, de cada uma.

Admirável, não podemos deixar de repetir e deveras admirável foi a inteligência feminina, que pela simples passagem de uma mulher elegante por aquele lugar até então dominado pelo fanatismo de um líder, despertara numa jovem atenta às coisas de seu tempo uma repentina tomada de consciência, que viria a transformar um “devaneio”, segundo o pastor, numa libertação mental coletiva.

Só por isso vale exaltar não só a beleza feminina, mas principalmente a inteligência e dizer: “bendita mulher elegante e altiva, vaidosa e cheirosa, e bendita a inteligência feminina, e a vivíssima libertadora, Sofia”!

4 comentários:

  1. Excelente Devaneio,amigo Julio,percebe-se que o amigo conhece muito bem a situação porque passam algumas mulheres de cariz diferente das demais e principalmente em certos meios retrógados,nem sempre existem Sofias nesses meios.Fica dificil para esse tipo de mulher passar desapercebida.Bendita libertadora Sofia,todo o ser humano deveria gostar de ter uma amiga Sofia.

    Bom fim de semana.
    Fraterno abraço

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  2. Oi Ana! Salve amiga!
    A Shakti precisa ser resgatada.
    Ao longo do tempo tem sido um saco de pancadas, e ainda não foi totalmente libertada.
    É verdade Ana, todo ser deveria gostar de ter um Sofia...
    Mas muitos ainda preferem um cachaceiro rsrsrsrsrsrr

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  3. Um excelente texto, meu caro amigo Júlio ! O tema muito bem escolhdo e talentosa a forma como foi desenvolvido.
    É caso para dizer "bendita Sofia"; e na verdade precisamos de muitas mais Sofias.
    Em todas as sociedades, mesmo naquelas consideradas de mentalidade mais desenvolvida,
    ainda serão precisas muitas Sofias.
    Um grande abraço.

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  4. Obrigado, caro Notrton.
    O problema é como despertar as pessoas.
    O sono impera. rsrsrsrs

    fraterno abraço

    Júlio

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