sexta-feira, 21 de maio de 2010

TESTAMENTO II

Amigos e amigas, esta série de prosas peretence ao ciclo da indignação
e criticas agresivas.
Não tenho certeza de ter esse direito, mas sigo pelo caminho da afoiteza devido a rumo que o mundo vem tomando...
Desculpem os delicados, de boa intenção.
Mas o jogo tem esses dois lados, e o serviço sujo alguém tem de o assumir.

TESTAMENTO II

Terei feito minha estrada de quimeras, e a calçado com pedaços de papel amassado? E as letras? Recortei-as de um jornal velho, espalhando-as ao acaso junto com folhas secas, pelo chão?
O que terei feito com o mínimo conhecimento da língua pátria, tendo-a já vertido literalmente ao papel?
Vertida, sim! Pois translado é um termo muito culto para referir as minhas palavras, com as quais temo macular a bela flor... do Lácio?
Qual nada, cresceu, desabrochou e é hoje muito mais bela que aquela velha senhora!
E pela sua beleza não me furta o tempo das vaidades profundo respeito a ela, à qual tenho profundo orgulho de entendê-la, em lusa conversação.
E por não ser eu para ela uma rica seara, em que vá semeando e produzindo maravilhosos frutos, devoto-lhe meu sentimento rude de profunda admiração e respeito, à já tão cara língua, exercida e esculpida por Camonianas mãos de um Vieira,
por exemplo, e outros gigantes... Mas nem tantos!
De minha autoria, o que eu fiz com ela até para mim próprio é um pouco misterioso e estranho, mas ainda assim haveria quem entendesse minha alma, em português, se me lesse; mas ninguém quer arriscar editar um livro, cujo autor o ostracismo envolve permanentemente, (ainda que, para os apreciadores da ostra ela seja ótima iguaria, ou até em algumas raras, especiais pérolas contenham), mas não é bem essa a ostra em que o homem merecia ir metido... De modo que pouca gente me vê, mesmo quando vagarosamente caminho pela rua.
Pois também o andar célere passou de minhas mais primárias condições, já por hoje as energias não proverem mais que um seguir lento, e o movimento mal me tire do lugar. O motivo de meu ânimo se inflamar para reagir e com agilidade e rapidez seguir, esfriou, enfraquecendo-me também o entusiasmo; e neste estado, nada além do sono profundo acalento, ainda que ao da morte não deseje.
Mas como as formas fragmentadas mantêm-se, há ainda o substrato de muitos inúteis sonhos, que um dia sonhei... Mas não sei com exatidão se o que agora sonho não é pesadelo, porque como fantasma é como à noite vem rondar meu sono, perturbando-me, causando irritação e profunda inquietude; todavia, como é o único momento em que saio de mim, não sinto dor em nenhum órgão ou membro.
Tivesse alma, não tenho certeza já de ter uma, seria ela a responsável por tudo; como não tenho certeza de mais nada, me restam dores físicas, quando acordo, mais reais que as metafísicas.
E até os dedos com os quais digito grosseiramente, estas palavras, hão de suscitar dúvidas de incompetência quanto ao objeto em questão: seja das minhas palavras na expressão de pensamentos, já confusos para quem os lê, seja a falta de habilidade com as mãos, para digitá-la.
Isto, já agora ao anoitecer de outono, de uma vida humana, mas que até parece já em pleno inverno. Mas sem desejar também já nenhuma primavera.
E digo-o assim ao sabor visceral de o dizer, sem o falso escrúpulo de esconder silenciando a decadência humana, de alguém como eu, que ao longo de muitos anos dedicou-se a fazer arte, à qual eu já não tenho certeza de arte poder classificá-la.
Pelas marcas indeléveis dos calos nas mãos, não creio nessa identificação, nem assegura identidade a um artista. As da alma, sim, guardam as características dos atos falsos dos amigos, das frustrações, mas de algum modo fazem de mim um singular ser artístico, porque tenha sobrevivido. Embora invisível.
E estas marcas serão sempre as minhas características, e nas mãos só a mim deixaram a marca, já sem dor. As da alma não passam nunca; em forma de calos, sim.
Ah, os calos do coração, tão duros! Quem os haverá de remover? Os olhos revelam os espinhos, dos sentimentos, mas como tenho olhos azuis, disfarçam bem... Sou como já o disse antes, me referindo a um personagem oculto que habita meu universo, escrito, usando as minhas próprias palavras, - o Encoberto. Não só em minhas páginas que ao longo do papel fiz papel, mas, sobretudo Encoberto perante o olhar do mundo, que tão concretamente passa pelas ruas, mas não me vê! E como então quem não olha, poderia me ver?
Sou também por isso o deserdado do olhar, descoberto de prazer e de respeito, de quem me conhecendo, me desmereça; mas por ser eu enquanto eu inteiro para mim mesmo, pouco me importo ser um nada para quem passa sem me dizer nada nem me ver. (Gosto e respeito só às pessoas que dizem alguma coisa).
E neste caso estranho seria ser eu o Encoberto para mim mesmo, ainda que de alguma forma, ao recordar passagens de convivência social seja totalmente invisível. E se houver no mundo quem em algum momento o não seja igualmente para si, e para outrem, é porque não existe ainda enquanto ente consciente, ou mente para si mesmo pensando ser e de cabeça levantada com ares superiores, em pose de inteligência e outras artes passe; talvez até porque ignore o que seja o objeto do conhecimento, inesgotável e distante infinitamente de qualquer tentativa de mensuração, peso e dimensão?
Mas em termos razoáveis, de análise humana, sou mesmo Encoberto na relação de valores e de importância, que as pessoas dão umas às outras...
Encoberto e sem direito a um espelho ou a uma voz! Mas os espelhos em que muitos se miram; as vozes com que muitos falam o que falam, honestamente, esses eu não os quero.
Embora eu tenha no espelho excelente modo de olhar por reflexo e observação, parâmetros e analogias, virtudes relativas e defeitos passageiros...
E também à voz tenho como um instrumento precioso de exaltação e de execração através da palavra, tal como deve ser numa língua que se expressa, numa canção se espalha pelo ar, como num postulado se enuncia, e numa sentença se profere; ainda como lei que condena, ou liberta da prisão das trevas e da ignorância; e até numa profecia que anuncie a volta de um Deus em carne e osso, a fim de nos conduzir.
Mas também para muitos homens o negarem, e depois de morto estranhamente o aceitarem e vendam-no aos pedaços e pedacinhos, de acordo com a bolsa ou embornal, de cada comprador.
Tenho realmente do espelho a magia de ser e até me ver como Encoberto, por desse gesto obter o conselho e o eixo de ser hoje aquele que perante os outros se liberta de seus orgulhos.
Desse mágico olhar liberto-me da ilusão de que tenha altos e exclusivos conhecimentos e poderes, com os quais possa até aos semelhantes salvar!
Pois, Encoberto não estou nem longe nem perto, nem fora nem dentro. Sou, afinal, descoberto de valores e por isso não chamo a atenção nem sou visto!

3 comentários:

  1. Língua Portuguesa

    Ultima flor do Lácio, inculta e bela,

    Es, a um tempo, esplendor e sepultura:

    Ouro nativo, que na ganga impura

    A bruta mina entre os cascalhos vela... (...)

    Olavo Bilac


    Quando o amigo menciona os seus olhos azuis,faz recordar Bocage
    «magro, de olhos azuis, carão moreno»


    Profissão de Fé

    Le poète est ciseleur,

    Le ciseleur est poète.

    Victor Hugo.


    Não quero o Zeus Capitolino
    Hercúleo e belo,
    Talhar no mármore divino
    Com o camartelo.

    Que outro – não eu! - a pedra corte
    Para, brutal,
    Erguer de Atene o altivo porte
    Descomunal. (...)


    Vitor Hugo,Bocage,Florbela Espanca,entre outros,eram poetas Parnasianos,adeptos da Cultura e Psicologia Parnasiana.

    Este seu TESTAMENTO II,desde o principio ao fim,descreve essa cultura e psicologia.

    Bom fim de semana.

    fraterno abraço.

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  2. Salve, Grande Ana!
    No fim das aventuras sobram queixumes e desventuras.
    E o mundo?
    Cada um o vê com os olhos que tem.
    Quase já nem tenho olhos!
    Mas sobem-me ou descem essas nuvens...

    Desses grandes, quem me dera a sombra!
    Que a luz...
    Não vejo mais nada.
    Mas sinto, e a sua amizade me é tão grata!

    Obrigadão, ótimo fim de semana

    fraterno abraço

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  3. Cara Ana, em sua homengem passeando pelos meu arquivos encontrei este pequeno poema...

    AMOR

    Quando pensei fazer
    Uma canção de amor,
    Vi que aqui já não havia
    Rara, bela e cara flor!

    E ao tocar o que dela
    Ainda me sorria,
    Desvaneceu no ar
    Sem perfume, fugidia.

    Em seu lugar filha da noite
    Um licor amargo vinha,
    Que o cálice dourado
    Além de raro e escondido,

    Tem o dom de guardar
    E de ser caro,
    Muito caro e proibido...

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