quarta-feira, 9 de junho de 2010

ILUSÃO

Andei por muitas ruas e avenidas, passei por muitos lugares dos quais guardo ainda na memória resquícios daquele meu andar. Só não sei quem era aquele eu, que hoje emprego na primeira pessoa.

Em cada esquina deixei escrito um signo, para logo depois esquecer uma pausa, quando tive de escolher um destino.

E devo ter seguido à direita ou à esquerda, subido ou descido; ou talvez até em breves momentos em terreno calmo e plano caminhei.

Mas daqueles signos e daquelas pausas tenho hoje a afeição de um pessoal eu, e as marcas de um destino com as características e os detalhes adquiridos pelos sentidos, exercidos com observação e disciplina.

Por ser contemporâneo de um tempo romântico nesta cidade, meu coração insiste em recordar cada palmo de chão que nela percorri.
Ainda aí estão as ruas, embora alguns edifícios tenham sido derrubados, outros infelizmente ruíram.

Durante a noite retorno a estas paisagens em sonho, mas sempre uma apreensão me é constante na hora de voltar para a minha hipotética casa, à qual nunca sei como retornar por não saber quem seja aquele eu, que sonha e não tem sequer noções do endereço.

Talvez a causa seja por não ter grandes pretensões materiais, nem fortes apegos a que persiga.

Também já não vivo razoável estabilidade emocional provocada pelo eixo do entusiasmo, nem a sonhos belos não mais embalo à noite, senão o silêncio cautelar e um pouco de poesia.

Mas seja qual de mim exista nesse espaço noturno que nem sempre é reflexo do dia feliz, raras vezes tenho sonhos claros.

Penso então no conceito de Maia Budista, segundo a qual tudo no universo é ilusão; e como estou e vou neste mesmo verso, não seria mesmo possível ser real nem ter sonhos preciosos em lugares reais, se eles não existem, nem eu na totalidade do individuo perceptivo!

Mas naturalmente diferente da ciência neurológica, que anuncia muitos eus e nega um ego individual, enfiando no mesmo mote de sua fundamentação as idéias filosóficas do budismo zen.

Não é verdade que o budismo tradicional defenda essa crença, de que muitas manifestações de naturezas diferentes se manifestem, enquanto entes independentes da consciência de um ser, que não teria identidade nem seria um ego real.

Nesse caso também a consciência do ego não poderia existir, por absoluta falta de uma identidade central que se reconhecesse no dia seguinte, por exemplo, como aquele mesmo sujeito de ontem.

Pois tendo mais de uma entidade ou múltiplos eus “semelhantes a uma prateleira” a brincar de guardar indivíduos... seria a já de hoje prateleira coletiva convertida num arquivo, de muitos eus?

E mesmo que se fale em egoísmo e coisas do gênero, o cérebro, no caso é o centro de convergência onde se processa a ação, que dá origem à consciência, mas não é a entidade.

E quando algo individual que naquele conceito científico não existe e não é nada, mas voa dali e o cérebro cessa as atividades morrendo com o resto do corpo, o que afinal era o ser pensante antes da morte e partiu, ou morreu?

E em nome de quem antes da morte e enquanto cidadão aquele que a tal pesquisa fizera e a tal teoria defende se identifica e reclama os seus direitos de autor? A qual seu eu estranho ele seleciona?

Que o universo segundo o conceito de Maia é uma ilusão, é perfeitamente compreensível, posto que deixe um dia de existir, assim como a saudosa rua por onde um dia passei!

Mas há alguém e no caso sou eu recordando aquela rua; e até sinto uma infinita saudade por ela! É evidente que eu não sei quem seja eu, mas sou. O quê, pouco importa!

Todavia o mais importante é saber e eu sei, hoje tenho mais consciência do que ontem do exterior e do interior, sem a confusão de ser este ou aquele que percebe, pois, sou sempre eu.

Alguém evoluiu dentro de mim e eu mantenho a consciência de que sou o mesmo de ontem, e estou aqui a aprender com a experiência.

Devo ser então um centro específico com uma função universal, sem precisar recorrer à memória para saber qual dentre tantos eus fui ontem para saber quem sou agora, superando as expectativas de uma ciência materialista que me condenaria à “massa cerebral” ou no máximo a uns diferentes centros de relativa consciência autônoma, entre vários seres anárquicos; ou à prisão de um cérebro, se eu fosse o que eles dizem.

Sim, há algo indecifrável no cosmo, que a ciência por mais avançada que seja não desvendará, enquanto não mergulhar profundamente na causa que por trás dos efeitos se encontra.

Porque isto ela não pode negar: todo o efeito tem uma causa. Mas são tão incríveis esses profissionais da área! E como se apegam aos termos lingüísticos!

E até se esquecem e desprezam outros fatores, como por exemplo, no caso da regeneração do cérebro quem comanda por trás dos neurônios, a sua regeneração?

Uma natureza intrínseca, dizem eles, mas de onde vem essa natureza? A resposta deles é a de que faz parte da própria natureza e aí se sucede a mesma pergunta girando em círculos, sem se darem conta de quem neles mesmo debate o assunto, até que se rompa e se chegue ou esbarre na causa das causas, mas que eles por teimosia negam.

Pena esta causa ande ainda muito distante da mente concreta destes senhores!

Pois de todas as experiências vividas resultará sempre uma recordação em alguém, por trás dos neurônios, e que poderá ser afetada se estes forem lesionados no espaço cerebral reservado à memória, por ser o cérebro o processador das informações, mas este mesmo cérebro jamais será o senhor da consciência.

O ser que vai oculto enquanto ego superior paira sobre o inferior, enquanto este não despertar para a sua realidade universal e é quem mais ou menos usa as regiões cerebrais e seus habitantes, que são os neurônios.

Já a consciência, enquanto centro, representa a quantidade de informações acumuladas ao longo do tempo de todos os fatores, tais como: conceitos, teorias, educação, formação, religiosidade, espiritualidade, alimentação, conceitos de bem e de mal, etc.

E é o que ao fim resulta como entidade (ente civilizado) individual, mas em conjunto forma a civilização global afetada pelos conceitos dominantes, tanto científicos quanto religiosos, tanto políticos quanto educativos e sociais, numa forma mental coletiva ainda muito atrasada, enquanto modelo.

Mas que em cada indivíduo haverá uma representação diferente, não obstante o cérebro ser igual em todos e a substância única que lhe dá a forma, sim, haverá!

Em mim, porque a poesia insista em fazer porto, mesmo eu não estando apto a satisfazê-la, a saudade revolve-se em nevoeiro noturno, fragmentada em lances recortados por imagens confusas.

E quando sonho quase sempre me encontro perdido, ou tentando escalar pelo lado mais difícil a um obstáculo intransponível. E ao voltar para casa nunca sei onde moro, nem conheço o caminho de volta.

Em resumo, diria andar sempre perdido em meus sonhos, com apenas uma certeza sentimental: tanto acordado quanto sonhando sinto nas profundezas da alma uma infinita saudade. E quem sentirá essa saudade?

Se eu tivesse que definir um ser a mim semelhante para além dos conceitos científicos e dogmáticos que sobreviva após a matéria, o chamaria de saudade, ente saudade, mas já sou um, dentre tantos hipotéticos outros.

Isto naturalmente em metáfora, já que ao espírito não é possível negar, enquanto substrato, ou essência ainda desconhecida do conjunto ego, do qual momentaneamente sou um depósito de saudade em estado de consciência, aportada e processada no cérebro.

Por isso minha casa parece estar muito longe daqui ou de mim, por não ter havido, quem sabe, a realização de algum desígnio carmático.

Mas sinto estas coisas mais que as sei; aliás, não sei nada! Minha imaginação estacionou à entrada de um túnel, no qual pressupunha ao final encontrar raros conceitos e luminosas idéias, que me conferissem alegria e alguma realização pessoal, mas não pude seguir em frente, porque se fechara nos limites da minha inteligência, ainda pouco desenvolvida.

Sonho também de vez em quando com água, barro e lama a servir-me de caminho, que nem sei se é mesmo caminho, por não ver horizonte à frente.

Diante desse quadro haverá quem pergunte: - quem é esse desgraçado? E eu respondo: - sou um eu confuso e atormentado, sim, em busca de uma identidade real, mas um ego que de alguma maneira prova que um ser é algo muito acima de um conceito lingüístico, e jamais uma ilusão passageira entre neurônios, que até se regeneram, se extirpados.

Sou, enfim, como qualquer um, uma alma inquieta dentro de um corpo já meio velho e cansado, protótipo de um ego universal tríplice, cujo espírito seria a suprema inteligência em mim limitada, porque vá sendo vertida por um minúsculo orifício, cujo limite me permite compreender apenas o óbvio, na triste condição de um ser ordinário, ou acorrentado Prometeu.

Como poderiam então haver sonhos belos, a meio a este perdido caminhar noturno e raras vezes colorido?

Mas estou atento e alerta para com os modernos sábios, porque desconheçam e mesmo conhecendo-os desprezam os velhos iluminados.

Evidentemente porque falam muito e até defendem teses pela televisão a milhões de telespectadores...

Mas quando digo que eles sabem pouco ou nada, é porque ninguém sabe muito, diante do mistério que envolve o porvir... E porque seja este apenas o verso do verso de Deus!

Mas além do mistério que envolve a vida, no conceito mais elevado que não está ainda ao alcance dos homens, há esperança de momentos mais felizes para a humanidade.

Ainda que ande à mercê de cantos estranhos e crenças fantasiosas, em vez de obedecer aos impulsos internos, que ao longo do tempo invisíveis e silenciosamente veem construindo o indivíduo, poeticamente um ponto de luz em meio às trevas da maya.

Mas ainda agora prefere seguir a cabeça de um líder ou de um ídolo, cujo resultado final está muito claramente escrito, muito bem representado num trágico quadro, cujo retrato em preto e branco predomina a cinza – na cor mundanal.

Mas onde todos imitam todos, e o mais esperto tira partido e explora o próximo, sem o menor constrangimento, o que poderíamos ter?. Tal é seu estado de consciência perante a real essência da vida, que absolutamente ignora.

Assim procede ao intelectual, por regra fundamentando seus argumentos num autor que se aproxime de sua compreensão e entendimento, numa espécie de ciranda onde não é necessário pensar por si mesmo; mas citar, citar e citar desde que o citado tenha citado outros, que por sua vez fizeram citações.

Parece que ninguém mais quer raciocinar e criar novos conceitos que irão modelar novas formas de arte, de ciência literária, nova maneira de agir sem, todavia desrespeitar os sábios de todos os tempos, ora também preteridos por outros duvidosos e modernos, mas sempre muito citados.

Pessoalmente não serei eu também exemplo de nada, por estar a viver dos fragmentos mentais de minha memória, cuja sensação mais lúcida é meramente uma tremenda melancolia, que já nem sei se é mesmo saudade. Porém indignado com o andar do mundo.

Compreendendo-se por mundo as pessoas que nele fazem espécie, e causam, em nome da arte e da ciência desconcerto e intolerância, materializados em tremendo estouro de violenta carrada de pedras, em cima dos mais fracos e pobres.

Para que o fútil na mídia se mantenha e o tal cidadão faça seu discurso científico, outra venda seu peixe político, ou o seu deus aos bocadinhos.

7 comentários:

  1. O estilo de Nagarjuna era conhecido como Vitanda Vada, que significa a exposição das fraquezas dos outros sistemas filosóficos, sem apresentar uma hipótese própria. Assim, o seu principal contributo filosófico espelhou-se no postulado de uma série de paradoxos sobre o problema da existência versus a não-existência, tais como:
    Se os objectos são reais, por que estão estes sujeitos a serem destruídos e a deixarem de existir? Como pode uma entidade real perder a propriedade de existir?
    Se nada existe, não pode haver tal coisa como a mudança – pois como pode o nada ser alvo de mudança?
    Consequentemente, postulou Nagarjuna, o Universo, que se encontra em permanente mudança, não só não existe realmente como também não é não-existente, sendo na verdade Vazio, ou Sunya. Desta forma, Nagarjuna surgiu então com uma filosofia alicerçada nos conceitos de “aparecimento condicionado” (Pratitya samutpada) e de Vacuidade (Sunyata).

    O Universo, que se encontra em permanente mudança, não só não existe realmente como também não é não-existente, sendo na verdade Vazio, ou Sunya. Desta forma, Nagarjuna surgiu então com uma filosofia alicerçada nos conceitos de “aparecimento condicionado” (Pratitya samutpada) e de Vacuidade (Sunyata).
    Posteriormente, no séc. IV da nossa era, os sábios Asanga e Vasubandu rejeitaram a doutrina do Vazio (Sunya Vada) de Nagarjuna, promovendo a doutrina de que tudo é Mente (Chittamatra) e que a Mente é contínua e momentânea (Santani Kshnika Vijnana Vada).
    Sankara foi quem expôs a natureza relativa do mundo, estabelecendo a suprema realidade da Advaita através da análise dos três estados de consciência – o estado de vigília (jagrat), o estado de sonho (svapna), e de sono profundo (sushupti) – referidos no Mandukya Upanishade, o sexto Upanishade do Atharva Veda, considerado como a essência dos ensinamentos contidos em todos os cerca de 108 Upanishades.

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  2. Para Sankara, os três estados de consciência acima referidos são considerados como meras transformações de um estado de experiência não-dual apelidado de Turiya, o quarto estado de consciência igualmente referido no Mandukya Upanishade. Note-se a existência de um paralelo com a tradição Budista, que também assume um estado de transcendência semelhante ao Turiya Vedantino, e a que chama de vinnanam anidassanam (i.e. Consciência sem atributos), conforme o referido no Brahmanimantanika Sutta, parte do Majjhima-Nikaya (i.e. o discurso do “Convite de Brahman”, que está contido na segunda colecção, ou colecção Média, dos discursos de Buddha, a qual por sua vez é parte integrante do Sutta Pitaka do Cânone Theravada).

    O Idealismo Monista no Budismo Mahayana e na Advaita Vedanta
    A orientação filosófica dos sistemas Advaita Vedanta e Budismo Mahayana é, de certa forma, na direcção do Idealismo e do Monismo, quer estes se apresentem de forma mais explícita, ou implícita, em cada uma destas duas tradições do Oriente.
    O Idealismo é a visão filosófica de que a Consciência constitui a Realidade fundamental. Nesta abordagem filosófica, a aparência de objectos distintos uns dos outros é considerada como uma ilusão provocada pela sobreposição da mente conceptual sobre a experiência imediata. Sendo o Monismo a visão filosófica de que só existe uma Realidade fundamental, podemos ver como no Idealismo Monista se defende que só a Consciência existe como a Realidade Una.

    O grande objectivo destas duas tradições é o alcançar da iluminação ou despertar, a qual implica a dissolução do sentido de ego-personalidade. A iluminação ou despertar corresponde a um estado de consciência não-dual, caracterizado pela ausência da fronteira conceptual criada pela mente, que divide o mundo entre Sujeito e Objecto.

    Como atrás referimos, enquanto que a tradição da Advaita Vedanta assenta no ensinamento da existência de Atman como sendo a Realidade intrínseca do Homem, a filosofia Budista – com mais ênfase nalgumas das suas escolas como a Madhyamika de Nagarjuna – é famosa pela teoria de Anatman, ou negação da existência (por si mesma) de qualquer Ser ou Alma.

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  3. No entanto, e apesar desta radical antinomia ontológica, ambos os sistemas filosóficos compreendem a mesma metafísica de transcendência, ou de transformação, alicerçada na possibilidade da libertação humana, comummente designada por iluminação. A libertação final ou derradeira (Moksa) da Advaita Vedanta e o despertar ou iluminação (Nirvana) do Budismo constituem, na sua essência, noções similares de libertação do ser humano do aprisionamento em que este se encontra, premissa igualmente comum às duas escolas.

    A negação da ilusão da identificação com o corpo, a mente e os objectos dos sentidos, postulada pela afirmação “neti neti” (não isto, não aquilo) dos Upanishades, encontra o seu paralelo em Sunyata, que visa igualmente expurgar a Consciência das noções dualísticas do Eu e do Outro, criadas pela sobreposição da mente conceptual na Pura Consciência, e na explicação de Anatta apresentada no Anatta Lakkhana Sutta, o discurso de Buda sobre o Não-Ser. etc,etc,etc

    O Absoluto Vazio e o Vazio do Absoluto Biosofia

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  4. Amigo,se o texto é longo pra caraças,o comentário também,kkkkkkkkkkkkk

    Embora os comentários se encaixem bem no texto da "Verdade"é aqui o lugar deles,rsrs

    Se aprofundar-mos com atenção,o caminho da verdade,ilusão,inconsciência é praticamente o mesmo.
    Pois é amigo,o andar do mundo está a ficar um grande problema,para quê tanta Sabedoria,se não se aplica.Que desperdício.É muito importante para os intelectuais armados ao pingarelho,pregar postas de pescada,e dizer cheios de impávia que são isto e aquilo,sabem tudo e mais alguma coisa,mas,e na prática?como é?
    Qual a vivência que têm da vida a não ser a sua própria vivênvia,como podem pensar,que todos têm de pensar e ver o mundo como eles?Sabem o que é precisar de dinheiro para as coisas mais básicas?
    sabem o que é fazer contas de sumir?pois é,não sabem,é bem mais fácil ser intelectual e apregoar postas de pescada.

    Fraterno abraço

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  5. Cara irmã Ana
    Perfeito comentário de quem voa alto.
    Àguia Assúrica...
    Bem outra que aquela outra kkkkkk

    Adorei as postas de pescada!!!!
    Bem no alvo...
    Quando não são postas de pescada são outros senhores muito sérios, amorosos com todo mundo que cruzam na rua, sorrindo, de olhar até bondoso e aí vão eles para os laboratórios descobrir bombas arrasa cidades, que as arrasa quarteirão já não atendem aos objetivos da demanda.
    E eles são até muito carinhosos com os filhos e netos! kkkkk para não chorar.

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  6. kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    Bom feriado,caro irmão Júlio

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  7. Achei formidáveis os comentários de Ana Roque!
    É preciso dominar o tema para tecer comentários desse teor e, ao mesmo tempo, ter muito nível intelectual para ser suficientemente realista para reconhecer as postas de pescada que se arrotam por aí. Admiro-a pela forma como rematou os seus comentários.

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