quinta-feira, 5 de abril de 2012

SAUDADE

Lembro com grande melancolia daquelas remotas manhãs, lá por volta das nove horas e em torno dos sete anos, preguiçosos, quando me estirava na cama da infância inocente.

E ali repousado de alma e de espírito contemplava pela janela o clarão do sol ainda ameno, caminhando para o meio dia quando se empinaria no céu abrasador.
Àquela altura, eu ainda tenro e ele distante brilhava suave, refletindo-se nas videiras primaveris da aurora da minha vida.

As uvas, ainda verdes, já apresentavam raros vagos pintando deliciosamente doces e maduros e eu volitava em torno delas como as abelhas à cata do néctar.

Ah, porque o tempo não parou ali ou não volta e fica aí eternamente? Aquele frescor de aroma suave traz-me agora a boca amarga e o coração magoado e triste.
Ah, Doce enlevo da minha infância pobre, tão rica de singelas paisagens e inocentes esperanças!De que hoje hei de servir-me para lá voltar? Qual transporte metafísico ou de levantado ânimo físico hei de servir-me?

Em sonho sempre retorno, mas nem sempre é manhã no sonho, nem lá já é o meu lugar!
Ainda hei de matar em mim o pensamento adulto, hei de sim, para inocentemente renascer criança nesse porto infantil só meu!

Hoje, que pena! Os portos inocentes desabam nas primeiras horas da manhã, tão logo se abram os olhos e os estrondos das ruas soltem carradas de brita em nossos ouvidos, abalando os já frágeis alicerces do nosso íntimo, abrindo fendas profundas em nosso chão!

É melhor então sonhar inocente aquele remoto tempo deitado na cama da inocência, quando o sol ainda tímido vinha pela manhã.

Ainda o cheiro do plástico queimado não havia contaminado o ar, nem o sol da tarde aos anseios da vida não queimava a razão.

Ainda as notícias do dia de hoje não haviam ido ao ar, ainda os vilões não haviam se levantado, que à noite a farra com o dinheiro alheio se estendera madrugada adentro até o amanhecer.

4 comentários:

  1. *



    O adn da saudade



    Têm-se os mestres empenhado
    em buscar o radical
    desta palavra que mal
    se distancia do fado.


    Há certa conotação
    entre estes dois sentimentos
    que nos tornam ternurentos
    nas coisas do coração.



    Mas enquanto que do fado,
    quer dos salões quer da rua,
    já se conhece o traçado,


    da saudade há que notar
    que ainda se continua
    sem seus genes encontrar!


    João de Castro Nunes

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    Respostas
    1. sentimento nobre de quem sente,
      a saudade é do fado português,
      a que fere o coração e a mente
      de quem partiu mais uma vez

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  2. *






    Sobre a Saudade

    Em competição com Pablo Neruda


    Saudade não se aprende nem se ensina:
    não há livro nenhum a seu respeito
    que peremptoriamente nos defina
    o sentido real deste conceito.


    É sentimento que ninguém domina
    quando se instala e nos invade o peito,
    não existindo dose de morfina
    capaz de minorar o seu efeito.


    Só sabe o que é saudade quem um dia
    sofreu dessa moléstia para a qual
    vacina não existe ou terapia.


    Em todo o caso nada há de pior
    que nunca ter sofrido dessa dor
    que tem a sua sede em Portugal!


    João de Castro Nunes

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  3. *


    Inconcludente




    Eu já fiz a anatomia
    do vocábulo saudade
    usando a filologia
    que aprendi na faculdade.


    Pela origem comecei
    dessa mágica palavra,
    mas apenas constatei
    que ela foi da nossa lavra.


    Aparece já no berço
    dos começos da nação
    quer na prosa quer em verso.


    Radriografei-lhe o esqueleto,
    fiz-lhe um tac ao coração,
    nada inferindo em concreto!


    João de Castro Nunes

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