Lembro com grande melancolia daquelas remotas manhãs, lá por volta das nove horas e em torno dos sete anos, preguiçosos, quando me estirava na cama da infância inocente.
E ali repousado de alma e de espírito contemplava pela janela o clarão do sol ainda ameno, caminhando para o meio dia quando se empinaria no céu abrasador.
Àquela altura, eu ainda tenro e ele distante brilhava suave, refletindo-se nas videiras primaveris da aurora da minha vida.
As uvas, ainda verdes, já apresentavam raros vagos pintando deliciosamente doces e maduros e eu volitava em torno delas como as abelhas à cata do néctar.
Ah, porque o tempo não parou ali ou não volta e fica aí eternamente? Aquele frescor de aroma suave traz-me agora a boca amarga e o coração magoado e triste.
Ah, Doce enlevo da minha infância pobre, tão rica de singelas paisagens e inocentes esperanças!De que hoje hei de servir-me para lá voltar? Qual transporte metafísico ou de levantado ânimo físico hei de servir-me?
Em sonho sempre retorno, mas nem sempre é manhã no sonho, nem lá já é o meu lugar!
Ainda hei de matar em mim o pensamento adulto, hei de sim, para inocentemente renascer criança nesse porto infantil só meu!
Hoje, que pena! Os portos inocentes desabam nas primeiras horas da manhã, tão logo se abram os olhos e os estrondos das ruas soltem carradas de brita em nossos ouvidos, abalando os já frágeis alicerces do nosso íntimo, abrindo fendas profundas em nosso chão!
É melhor então sonhar inocente aquele remoto tempo deitado na cama da inocência, quando o sol ainda tímido vinha pela manhã.
Ainda o cheiro do plástico queimado não havia contaminado o ar, nem o sol da tarde aos anseios da vida não queimava a razão.
Ainda as notícias do dia de hoje não haviam ido ao ar, ainda os vilões não haviam se levantado, que à noite a farra com o dinheiro alheio se estendera madrugada adentro até o amanhecer.
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ResponderExcluirO adn da saudade
Têm-se os mestres empenhado
em buscar o radical
desta palavra que mal
se distancia do fado.
Há certa conotação
entre estes dois sentimentos
que nos tornam ternurentos
nas coisas do coração.
Mas enquanto que do fado,
quer dos salões quer da rua,
já se conhece o traçado,
da saudade há que notar
que ainda se continua
sem seus genes encontrar!
João de Castro Nunes
sentimento nobre de quem sente,
Excluira saudade é do fado português,
a que fere o coração e a mente
de quem partiu mais uma vez
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ResponderExcluirSobre a Saudade
Em competição com Pablo Neruda
Saudade não se aprende nem se ensina:
não há livro nenhum a seu respeito
que peremptoriamente nos defina
o sentido real deste conceito.
É sentimento que ninguém domina
quando se instala e nos invade o peito,
não existindo dose de morfina
capaz de minorar o seu efeito.
Só sabe o que é saudade quem um dia
sofreu dessa moléstia para a qual
vacina não existe ou terapia.
Em todo o caso nada há de pior
que nunca ter sofrido dessa dor
que tem a sua sede em Portugal!
João de Castro Nunes
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ResponderExcluirInconcludente
Eu já fiz a anatomia
do vocábulo saudade
usando a filologia
que aprendi na faculdade.
Pela origem comecei
dessa mágica palavra,
mas apenas constatei
que ela foi da nossa lavra.
Aparece já no berço
dos começos da nação
quer na prosa quer em verso.
Radriografei-lhe o esqueleto,
fiz-lhe um tac ao coração,
nada inferindo em concreto!
João de Castro Nunes