Vento (Ciclo da Nova Era)
para este mui semanal inevitável criação do homem, Sábado...
Ao passar por mim o vento leve duas preciosas dádivas me soprou: a mais
suprema oferta foi ele próprio moderado em brisa fresca, à noite quente transformando-a
em manhã fresca; e a segunda dádiva o perfume de jasmim, que fazia transitar
pelo ar e eu agradecido senti.
Mas também quando de outra feita passava por mim, e num lamento, já não
tão agradável, lembrava-me de quando andei em prantos, meio pasmado a soluçar.
Todavia, um pouco mais frio e talvez com a sua natural rudez não me deixou
esquecer de certo e tenebroso anoitecer, quando em grande fatalidade levou de
mim a quem, cuja presença, me alegrava tanto, e como num passe de mágica transformou
em passado triste.
Hoje sinto a falta daquele estado de quietude que a brisa levou de
minha alma, deixando em seu lugar uma profunda e triste lembrança, mas ainda espero
recobrar aquele estado; sim, ainda o espero! Talvez, por isso, meio inconsciente
vá sozinho em meu caminho alimentando a esperança de reencontrar o equilíbrio daquele
estado calmo e livre, a qualquer momento. Mas também me acompanho do receio de
que o eloqüente vento frio vendo-me olhar pra trás, leve mais alguém ou este
meio estado termo de contente ameno.
No mais e de resto sem brisa perfumada que passou. E ao
olhar ao lado e vendo de perto quem vá a caminhar sorrindo ou a chorar, só não
me surpreende alguém a estender a mão, a pedir um trocado, a mendigar um sentimento...
E não há como perguntar-me: afinal, embora andando, porque
vai ocioso inutilmente a caminhar esse “mendigador de profissão”?
Cansado de esperar caísse do céu, estende agora o seu roto chapéu e ainda assim pende do lado esquerdo, sem saber que há também um lado direito e o do meio?
E ao esmolar, tropeçando nas pernas alardeia que vai indo
pelo mar da fartura, quando às cegas pela terra dos miseráveis amaldiçoa quem
tenha o que ele não tem e não pode sequer tocar uma emoção gentil, com a sua cara!
E segue a remar contra a maré, caminhando sem querer
caminhar, pois, muito queria ficar esperando de barriga pra cima e até o
alimento desejava caísse em sua boca sem precisar, sequer, abri-la! Mas sem
nenhum bem para chamar de seu, insiste que é maldito o bem alheio!
Exigente, mesmo sem nada produzir afirma que é dono do bem do outro que lhe interessa... e se não lho oferecem esconjura e amaldiçoa!
E foi assim que outra noite ao passar o vento novamente por mim, a duas novas premissas me alertava, soprando suave: na primeira voz que imagino fosse de sua boca na cabeça, me dizia que deveria seguir em frente, sem reconhecer os tesouros nem esperar recompensas e nem desejasse viver como quem espera a morte escada para subir ao céu; já na outra voz que imagino fosse a dos gestos, dos movimentos, me ensinava que deveria dar morte ao lado externo, inútil, ilusório modo de viver na morte, como a vivem ao relento uns que vão ao léu...
E no conjunto de todas as suas vozes, quase um coro, me dizia e ensinava
que do ir em vão – se em vão se passa na terra em vão não se vai ao céu...
E foi assim muito breve que o vento a sussurrar num lance finito se
esfregando nas folhas da árvore ao passar, me disse essas coisas...
Por isso, de bom grado nem me importa que leve este papel escrito onde escrevi
as suas falas, nem às máscaras dos personagens me incomoda que jogue no chão. E
até desejo muito que leve todas as quimeras, e igualmente às ilusões não
permita se acumulem nas imediações onde eu estiver; e que doravante nada nem ninguém
as gere em mim; e quantos vão em vão de personagens falsos, não mais se me apresentem.
Pois – compreendo agora – uma folha solta de papel ou de árvore seca não vai
ao vento por encanto ao vento a voar.
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