sexta-feira, 8 de junho de 2012

Texto para Teatro


Ato Sétimo
Faz-se neste instante profundo silêncio, quando de repente, ainda com as luzes apagadas se ouve uma voz feminina, e logo a seguir uma voz masculina, dando inicio ao:

DIÁLOGO ÍNTIMO


Entre duas personagens momentâneas, que se encontraram numa biblioteca e começaram a conversar, enquanto aguardavam a hora de voltar:

Ela - Que fizeste àquela linda melodia, que à noite solitária e de alma enlevada a ouvia, quando no teu jardim, tocavas a tua gaita?
EleJá nem me lembrava, de que toquei um dia esse instrumento! Já não me lembrava!
Nem sei se era bela aquela música, nem sei!
Ela – Sim, bela e de ânimo levantado tocavas linda melodia! Também certa feita ouviu-te dizer que não gostavas do canto da cigarra! É verdade?

Ele Sim, é verdade, pois ainda hoje eu não gosto desse canto estranho, efêmero, na voz humana. Mas perdoai-me se me falha a memória no momento e não lembro de nada que te disse!

Ela – Disseste tanta coisa interessante! E fez-me tão bem o que disseste! Talvez falasses o que eu precisava ouvir!

Ele – Como é isso? Falei então o que precisavas ouvir sem a intenção de o dizer? Desculpe, mas isso me é um pouco estranho, e nem sei o que lhe diga!

Ela – O que bem quiseres! O que bem entenderes! Afinal tens o dom da palavra, és poeta! Então em nome da arte não te cales, que a tua fala além de bela também liberta! E quando não liberta tem o dom de alegrar ao triste, e levar esperança!

Ele – O que me dizes? A minha pobre e inculta palavra, que nem sempre eu próprio desejo ouvir de tão ignóbil leva esperança, alegra e liberta? Santo Deus, a quem eu libertaria?

Ela – Isso também eu não sei! Mas talvez alguém ansioso para ouvir a si mesmo, e sem coragem de encarar-se de frente e atingido com as tuas ferinas palavras, de repente desperte! Talvez, quem sabe, eu também não sei!
Ele – Atingir alguém, com a minha palavra? Não creio que eu seja esse atirador certeiro ou ferino! Tampouco guerreiro de qualquer batalha; como então haveria de salvar alguém, com tão somente a minha palavra, se a mim mesmo não compreendo?
Ela - Não, tu não és realmente um carrasco agressivo no uso da palavra, nem és e nem precisas ser também um anjo! Tampouco Demônio ou Deus! Porém, meu bom poeta podes sim combater o bom combate, com a boa espada verbal, e porque também ousas sonhar! E de repente são até os teus sonhos convertidos em versos, que andam a libertar! Quem sabe?
Ele – Como se não bastasse à triste sina minha revestir-me de poeta, acorrentar-me a essa terra que me é hostil, terei de arcar também com o fado de um sonhador em versos e prosas? Não, não creio meus versos de sonho e magia salvarem a alguém! Não! Se os meus sonhos até a mim andam a prender! E de tão banais custam-me tanto a sonhá-los! E os sonho por não poder evitá-los, que até andam a apoquentar-me o juízo! Não, não pode ser verdade!
Ela – Sim, em homenagem à língua te digo que sim, é verdade, pois o jardim onde florescem os teus sonhos em versos sou eu! Sim, sou eu e ao sonhá-los, os teus versos ressoam em mim!
Ele – Mas quem és tu, afinal? Embora de mim mesmo pouco saiba, quero saber: quem tu és? Neste momento imperiosa curiosidade poderosamente exige conhecer qualquer coisa de ti, qualquer identidade!
Ela – Ah, eu sou o teu mais íntimo! E tu em mim és a gênese da alma... Apenas alma! Sabes o que é a alma? Por isso não podes olhar-me nos olhos, porque eu sou o mais profundo do teu olhar e também a que vê! E não poderia então ser tua fêmea, nem sou mulher!
Ele – És então, de mim, metafísica entidade?
Ela – Talvez! Mas sou metáfora de ti mesmo, isso eu sou mesmo! E um dia, ao olhares dentro de ti aí me reconhecerás. E se nesse instante quiseres em minhas mãos o teu bem mais precioso guardar, digo-te, pois que sou agora a tua anima, e não temas! Sou também o hálito que em tuas narinas o ar vai soprando!
Ele – Nem sei o que te responder! Como posso sentir-me autor dessa arte, que dizes andar eu a fazer, se não sei mesmo o que sou, nem o que tenho e quase sempre para mim o sim é não? Diante desta estranha revelação, não sei o que te dizer! Entretanto, diz-me: o mais elementar princípio de uma personalidade que se revela e se apresenta, como tu te apresentaste, tem um código pessoal: terás tu pelo menos um nome, um apelido que seja?
Ela – Interiormente, lá no fundo de ti à primeira parte de tua longa pergunta sabes muito bem a resposta! E sabeis bem também o que quereis! Então, confia! Quanto a ter eu um nome, é o meu ser oculto sem nome, mas já sou uma criança! Atreve-te a trazer-me à existência plena, atreve-te a revelar-me e chamar-me-ei nesse instante, só nesse instante consciência! Mas depois desse momento glorioso, para sempre te lembrarás de mim e será para sempre esse o meu nome!
Ele – Quão bela é a tua poesia revelada! Que bela! Numa única palavra revelas a maravilha das maravilhas! Consciência! Eu precisava ouvir essa sinfonia perfeita, numa única palavra!
Ela – Sim, essa é a mais pura e bela expressão no sublime jogo da “transformação e da conquista”! E quem busca de verdade o eixo e o eu real, encontrará a Consciência! E quando sob seus auspícios andam os seres, estes nunca mais hão de sujeitar-se às fraudes, nem às mentiras... É por excelência a voz do eu desperto, e vai muito bem guardada no âmago de cada digno.
Ele – Como é bela e rica essa síntese fonética! Preciosa, perfeita! Revela toda a beleza da nossa língua, numa única palavra... CONSCIÊNCIA! Nem carece dizer mais nada.  Com/Ciência!
Ela – Silenciemos então essa maravilhosa semente! Silenciemo-la para que germine em nossos corações, em nossas mentes e cresça!
Ele – Sim! Mas que pena! Já é a nossa hora de voltar!
Ela - Ou será a nossa hora de acordar?

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