quinta-feira, 31 de maio de 2012

Enigma das Portas


ENIGMA DAS PORTAS

Fecharam-se todas as portas da terra uma após a outra, até todas completamente cerradas furtarem os ânimos com que se poderiam abrir as do céu. E eu, encerrado neste arcaico pote, o que farei?
           
Envelhecido, nem o tempo confere já um tom artístico, que até uma velha lata amassada possui como estética de lata velha amassada. E eu? Nem isso!
           
Absolutamente decaído, sou o rei deste meu reino passageiro de portas fechadas. Não abri as metafísicas do entendimento em tempo hábil, fiquei preso dentro de mim. Por isso este complexo ser, por não saber como “descomplexar” o corpo corruptível, este o leva à morte. E sem ter para onde ir, por não ter sequer aberto janelas para além daqui, queda-se estático no espaço reduzido de um órgão!
           
E então de portas e janelas fechadas, não há como ir aos floridos campos da imaginação, para aí reencontrar enlevos de saber e de esperança, quanto a desvendar o enigma da vida.

E assim continuo alheio sem saber nada dessa estranha onda que anima corpos, pensamentos, árvores, insetos e até as pedras, além da consciência instintiva dos farrapos pendurados no cordão das coisas, dos livros e das vistas, por onde já nem descem lágrimas de ignorância.

Mas, vê-se ainda como único prêmio um quadro pendurado na parede, cuja moldura de cedro enrolada com um cipó de jasmim sugerindo o seu perfume abstrato, único refrigério de espírito e a suprema arte de um cipó, que lembra perfume, a única parte, talvez, de uma cena onde posso imaginar esperança.

Ainda assim, apesar de todas as portas fechadas da terra e sem ainda ter aberto as do céu creio na suprema beleza abstrata do espírito, em tudo que possa imaginar meu.

E naturalmente também por ter-me intuído e gravado eu pessoalmente a minha marca, enquanto executor de mim mesmo.

Por isso, não há mágoa porque seja eu, eu, cujo destino ao meu carma pessoalmente teci-o, não obstante não acreditar em sina.

E é assim que eu sigo em frente tecendo-o! E descrendo e crendo hei de ser eu, pois de fato sou realmente eu e sem poder ser outro, sou apenas órgão, sou apenas algo dentro desse órgão debatendo-se para ir além.

De modo que, congênito ou carmático não creio ser totalmente responsável pelo que fiz ou deixei de fazer, resultando no fechamento das portas de ninguém. E reparto a culpa, se a houver, com outros eus em mim arcaicos e só.

Também não me importa saber se alguém se interessa por portas fechadas ou abertas. Digo apenas que semelhantes portas para além de metáforas servem na vida como reais sentidos, a serviço das faculdades sensíveis e cognitivas.
E ao longo do tempo edificando a consciência vão engajadas dentro da personalidade, tendo já adquirido uma carcaça ou pote perecível e descartável.

Mas, em verdade este enredo tem também como meta abrir as portas do céu, subjetivas, naturalmente, sem que se as possa denominar psicológicas no sentido clássico do termo, embora físicas elas realmente não sejam; tanto aquelas hipotéticas e as de madeira, quanto as de ferro forjadas a fogo.

Abstratas ou metafísicas é a melhor expressão para aquilo que realmente definem como universalização da consciência, enquanto portas canônicas... (de qualquer forma... portas)
           
É mais ou menos isto o que representa a parábola portas abertas ou fechadas da terra, portas abertas ou fechadas do céu.

Estando muito claro para quem as abriu ou pretenda abrir, que para isto muito pouco conta a fé.

O método clássico de abri-las tem como primeiro passo a audição, seguida muito de perto do silêncio; e, coroando de êxito todo o processo a atenção, antes de se entrar ou sair por uma porta. Este primeiro exercício visa fortalecer a vontade e com ela fortalecida aumentar a sensibilidade, e eis as verdadeiras chaves que se encaixam nas fechaduras das portas...

Daí em diante há de se buscar o método pessoal, pois não sei exatamente o quê nem como será o retrato da alma; porquanto, também saiba, ninguém tem competência para dar-lhe conteúdo; julgá-la, então, humanamente impossível!

Mas é a alma para mim, no momento, apenas uma página transitória de história a passar na minha frente, não sendo totalmente eu. Talvez mero retrato instantâneo de um ser tão complexo, que a maior tragédia está em não haver ontens. Porém tragicamente triste, é ver ruir o mundo, tão sólido!
           
Desabar estupidamente sem esperança de amanhã, só porque os ontens foram trágicos e também os hojes ainda os são! Infelizmente, o horizonte já não sorri para que aos seus dentes de marfim vejamos brancos, branquíssimos.

7 comentários:

  1. Uma porta lhe falta, Amigo meu:
    a porta de marfim, a que separa
    a terra, que ao inferno se compara,
    do paraíso a que chamamos céu!

    JCN

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  2. Essa, meu bom amigo é secreta,
    mas já vi à distancia o seu portal
    coincidente com a indicativa seta,
    que anunciava a entrada universal.

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  3. olá julio, você tem acima o conselho do poeta maior, Portugal! seu amigo, seu apoio, e tanto quanto possa compreender o querer bem; então julio com relação a este post, "enígma das portas" posso ousar comentá-lo, mas é escolha vossa, ou não. A sabedoria e a prudência são irmãs do conselho.

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  4. Claudia, ainda assim salve a língua,
    que esclarece e confunde!
    Por isso amo a nossa lusa mãe...
    Mas para quem sabe do fio da navalha e sobre ele caminha,
    meu texto é um hino ao livre arbítrio.
    E já somam mais de 7 bilhões de livre-arbítrios!
    Não é mesmo?
    Salve a porta que se abra ao novo e se feche ao velho!

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  5. Portas há para sair
    e bem assim para entrar:
    só não as há para eu ir
    o meu amor visitar!

    JCN

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  6. Precisa o novo do velho
    para se diferençar:
    é bom que exista o vermelho
    para o negro... realçar!

    JCN

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  7. Mas por essa porta cabe
    que em vez de sair se entre,
    e invisível, quem sabe?
    esteja agora à vossa frente!

    Quem sabe?

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