terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

JULIANA E OS GÊMEOS



Já no ocaso da minha cota de tempo vital medida em dígitos de prana, opostamente à das três crianças da casa, vai a minha vida amarelando pálida e triste e só da presença delas adquiro um sorriso especial, colorido. Talvez mais apropriadamente seria dizer ser o único colorido possível, neste outono de barbas e cabelos brancos e já bem endurecidos pensamentos.

E até o cálcio que aos ossos vai faltando parece subir à cabeça, e uma vez aí endurece os neurônios. Evidentemente que não é possível cristalizar o pensamento, mas os neurônios em parábola triste sim, engessados numa cápsula calcária de cor bege já no final do outono.

E com poucas lembranças do verão, só a imagem real do véu escuro descendo na frente do o sol, apagando em definitivo a ilusão de que brilha o sol o dia inteiro no outono e para todos!

As folhas secas pelo chão ao sabor do vento apagam a fantasia e dizem com fria realidade não mais haver qualquer ensaio de primavera, que por ventura e atrevidamente se apresente, à memória. Barbas e cabelos brancos tanto quanto os pés cansados, denunciam o inverno, finalizador de um ciclo.

Mas ainda, das crianças, o colorido mágico de muitas futuras primaveras extrai do caos um frágil elo de esperança, lá o fundo íntimo, da alma. Do rosto já não é possível num gesto de carinho apagar as marcas do tempo, de quem aqui ainda anda, mas logo mais partirá, sem pátria e sem glória. Não aquela glória pela qual e por vaidade perde-se a vergonha e a honra para conquistá-la, que essa glória nunca foi nem sombra sequer de um desenho mórbido de um desejo egoísta.

Não a essa falsa e breve glória, refiro-me a outra sim aquela glória mansa, que apascenta o coração dos homens bons... E se essa não tenho, não porque eu seja mau, mas porque como pode extrair ou usufruir paz quem pense um bocadinho mais, e veja a cor do mundo indo todo monte abaixo, que nem os poetas se pretenderem viver a altas idades hão rir e festejar a paz, se ainda em guerra vão as gentes. E eu como nem sou poeta nem desejo viver altas idades, apenas vivo o drama de ser fantasma de um ego real, que se fará em mim feito por mim... Ah se fosse poeta talvez poeta cego, surdo, mudo.

E também como as almas dos poetas são tecidas de tédio e saudade, embora não fale das almas dos poetas pela minha, para que o amargor não seja “félico”, e possa por isso aos verdadeiros arautos furtar o subir das masmorras físicas aos arquipélagos do sonho, sem dor; a alma dos poetas, evidentemente, e não a daqueles outros estranhos poetas, nem os arautos da modernidade, quase sem alma, embora grandes vendedores de livros!

Já aqueles inteiros poetas cuja poesia o mundo jamais conhecerá, gozam gloriosamente ser inéditos e, portanto eternos. E esta há de ser a verdadeira arte dos verdadeiros poetas. Mas tendo ele deixado este mundo ainda jovem, sem a ter escrito, nem sequer pensado ou sonhado a sua poesia, deste colorir-se-á o céu com as raríssimas flores da sua arte. Destes, infelizmente eu não sou nenhum! Entretanto sei olhar, sei respirar, sei ouvir e às crianças ouço, respiro melhor por elas, olho mias belo por elas e aí há poemas universais, escritos em cada gesto espontâneo e livre de cada uma que ainda nem fala!

Para quem lê os poemas que o rei dos poetas escreveu nas páginas do tempo com estrofes magníficas na forma de pequeninas pessoas sim! Pois sim, há crianças! E ainda que muito bonitas crianças, serão apenas crianças? Ou serão poemas luminosos em essência, mas podem ser maculados, se houver mãos sujas! Tomara sejam poemas esperanças de fraternidade, onde a mácula adulta não alcance e contamine!

Nenhum comentário:

Postar um comentário