Ah! Como seria maravilhoso se a roseira depois de
decepada pela raiz continuasse a dar rosas! Ah, se as árvores frutíferas dessem
frutos depois de mortas! Mas nem aos homens que ousem sonhar nem a ciência
humana delirando é permitido tal sonho... É bem possível ou provável que em
tese o homem possa viver após terem lhe arrancado as suas vísceras, e até sem
coração continue a procriar, desde que lhe reservem os testículos.
Ou através de uma gota de suor propague a sua espécie.
E sempre haverá alguém dando prosseguimento a tal tese, espalhando a notícia
entre aqueles “seres especiais”, que já foram capazes de eleger redentores da
fome, redentores do inferno e nem são filhos de deus nem nada!
Imaginem se fossem! Porém a roseira não dará rosas, mas
os espinhos continuam ferindo por longo tempo, quando já ou até infeccionam!
Nem o homem sem inteligência deixará frutos depois de moto!
Talvez por isso tenham construído a tese de um
inferno e tantos paguem a peso de ouro a cura de um simples ferimento, que por
distração lhes tenha causado um inocente espinho, ou até um beijo. Mas o que
realmente assusta quem observa de longe é a falta de temor frente aos espinhos
da alma, que esta gente ignora; ou finge ignorar em proveito de um bem tão passageiro
e pesado, que quando aliviado for de tal madeiro a morte, e aí então nenhuma
coisa, coisa alguma poderá servir de exemplo, para ilustrar tal desordem. “E
isto tudo acontece porque a tese foi muito bem fundamentada em nome do senhor”
para que paguem sem bufar.
Ao cerrarem-se-lhe os olhos defrontar-se-ão com o
verdadeiro senhor que é sempre será o inclemente carma!
Diante disso, o que podem os inocentes crentes querer
neste mundo mais do que as lágrimas descreverem? é querer demais, algo mais que
eles não querem nem poderão ainda ter. Quanto a mim não devia escrever mais nada,
embora as lágrimas já não apaguem as palavras nem encubram o céu da minha
prece; mas ainda que o sol se esconda eu escrevo mesmo assim, translado do meu
peito não sei se já mágoas, às quais não lhe conheço bem a origem, embora
desconfie sejam meus limites a causa da minha dor.
Porquanto se me afaste o ânimo de viver e a força
com que às pernas movem para seguir o caminho que pretendo percorrer tolham-me
um pouco o hálito da vida, e torna mais custoso e difícil o ato de até de
respirar.
Mas eu escrevo mesmo assim. Mesmo sem arte insisto
nisto de escrever. Talvez ao fazê-lo alimente um pouco mais de tempo à minha vida,
por ser único o sopro vital neste meu ato de berrar, e escrever e seguir
berrando.
Quando não o faço aos gritos, em silêncio explodem
estrondos tamanhos que ao vivo estourariam os tímpanos, e mesmo que respire,
arrasto-me ao caos sujeito ao supremo tédio e vontade fraca; e o desprazer de
estar de pé leva-me a querer dormir eternamente, para esquecer tal e tamanha mágoa
profunda, filha dos sentidos físicos falidos e das sensações metafísicas embotadas,
quando mal percebo o de fora a confrontar-se com o dentro em mim. Não sei se é
evolução ou involução o fato de achar tedioso o que está dentro, a esta altura
relativamente isento, tolerando o de fora. Por isso não culpo mais o mundo, nem
condeno as pessoas por minhas tragédias. Conheci pessoas muito semelhantes
àquele meu eu arcaico, quando ainda havia em mim curiosidade e observação, e eu
culpava as pessoas pelos meus próprios defeitos. Bem, isto eu já não faço
porque aquele meu eu adormeceu e eu já sei que fazia isso. Mas não sei, volto a
repetir, se é involução ou evolução ou se é até alguma coisa. Só o tédio seguramente
é no presente estado algo real; todo o resto é-me completamente obscuro e
indiferentemente, e muito até passa sem eu o perceber.
Sou em síntese algo muito semelhante com aquilo que
não é nem deixa de ser alguma coisa. Falta-me vontade motora para mudar do
estado inerte, ainda que para outro ainda inerte, e é nisto que consistem as minhas
tragédias. Viver requer uma espécie de coragem oculta. Às vezes mascarada de
impulso, como o desejo, por exemplo, mas eu nem desejar já desejo a qualquer
coisa, nem tenho fé. Essa emoção da fé primária e semelhante a tudo que se
transforma em objeto desejado...
Pelo menos nessa pequena poça já não creio estar
preso a esse estágio, sendo isto o único sintoma de que evoluí alguma coisa e
valeu a pena ter passado por esses caminhos, pelos quais passei.
O resto, infelizmente turvou-se completamente se fora
vinho e não tenho motivo algum para sorrir. Mas de vez em quando sorrio, ante o
espelho do mundo.
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