segunda-feira, 19 de maio de 2014

ÉTICA DA MORTE

   

O tempo passou. Mesmo sem existir, o tempo passou. Se realmente existisse e tivesse consciência de sua existência, certamente contaminado pelo pensamento do homem que o inventou e a tudo quanto toca contamina, passaria escarnecendo a envelhecer tudo com raiva, sem se importar de envelhecer encaminhando à morte o que tocasse com requintes de cinismo, por não ter compaixão nem senso de permanência com a sua criação, exatamente como faz inconscientemente sem saber o que faz.

Amoroso, o tempo? Com a consciência que lhe emprestasse o homem para que não eliminasse tudo pela VELHICE em sua passagem? Esse homem que destrói a outro Homem que ouse declarar amor pela humanidade? Vale a pena fazer semelhante pergunta só para rir! Não do tempo, mas do homem, claro! E é claro também que rogamos perdão às pessoas boas que vagueiam entre a turba distribuindo caridade e compaixão... Sim, a vós que por vós vale a pena a vida, perdão por estas minhas palavras duras.
           
Mas voltando ao tempo, não obstante a sua inexistência, todas as coisas com forma, enquanto existem possuem uma ética imutável e inevitável, que perante a morte marcam a numa espécie de olhar pra trás num adeus na passagem de um estado para outro: do bruto para o sutil, do sólido para o líquido... Nessa plasticidade que as substâncias orgânicas animadas possuem, quando se decompõe a estética de uma construção, para recompor-se noutra e isso é muito bonito do ponto de vista da natureza “naturada” a converter-se na passagem em “naturante”.

Poderá ser até através de um artifício inventado pelo homem, uma arma, por exemplo, ou via natural; porém sempre através do ritmo e movimento temporais, pouco importa que de forma trágica ao sofrer o impacto de um petardo, no caso de alguém ou alguma coisa indesejável que se queira eliminar.

A morte é sim a ética natural a todos os seres vivos. Ora interrompe o sofrimento, mas também interrompe na flor da idade à alegria, sem se ter certeza do que seja realmente a vida. E na mesma medida, também o que seja a morte que sobreviva e se imponha à tristeza ou à alegria de quem observa essa transformação.

Mas enquanto não chega “aquela” que a mim se dirige e teve início tão logo saí do útero materno, faço-lhe muitas indagações, pinto-lhe inúmeros retratos em quadros abstratos, crio e recrio conceitos e teorias, descrevo-a em poesia e prosa, embora da vida em si não saiba mais do que ter ela um final, como tudo no mundo tem num rito de apagar e fechar os olhos.

Quando cessa o rítmico coração e em seguida sobrevém absoluta quietude para quem vai, as lágrimas dos parentes e amigos que ficam operam uma leve passagem da água interior nas lágrimas, enquanto o levam à cova ou ao crematório.

Quando se pressupõe tenha dele voado algo vivo e alado, embora ninguém o tenha visto; mas alado, senão como voaria, se é que voou?

Poder-se-á também dizer que tão logo expire o último hálito arrefeça, para em seguida enrijecer, quando aquele ente dito feito à imagem e semelhança do criador tivera pela dinâmica da inércia passiva, eliminado o físico de acordo com as circunstâncias das energias que perdera desmoronando-se, deixando de se manter animado e inteiro; e a alma, e supostamente o espírito não estendo mais por ali, onde terão ido? Esta é a grande pergunta, tanto para os místicos e fervorosos crentes, quanto para os leigos.

E muito especialmente para os filósofos, a quem a morte constitui ainda grande questão sem enunciado à vista descartado completamente o conceito de céu e inferno.

Poderia recorrer a meu atrevimento e responder a esta pergunta de acordo com o meu conceito, mas seria mais um conceito dentre tantos já escritos, falados, ditos e alardeados e até comercializados. Por isso não vale a pena, pois seria mais um conceito.

E poder-se-á resumir o que já existe historiado entre as várias correntes, onde uns apontam para a imortalidade da alma, outros para a imortalidade de espírito, e ainda para outros a prerrogativa da alma se unir ao espírito, quando a mesma alma se imortalizaria na morte.

E seria o ato de a ele se unir a suprema ética, da qual resultaria a sua imortalidade. Pessoalmente creio nesta hipótese como conceito estético da suprema e pessoal conquista por esforço próprio, mas não após a morte; esta conquista só poderá ocorrer em vida, tornando-se nesse momento – e nisto reside a suprema estética – um verdadeiro Prometeu libertado, que em vôo triunfal levaria consigo a sua amada Psique.

Se o fizesse, evidentemente, como Eros! Porquanto não seja isso aquilo, mas apenas enquanto isso isto, e nada mais.


E por enquanto e de acordo com o que já se sabe a respeito, só isso mesmo... (Pois nunca isto nem tampouco aquilo será de outrem qualquer coisa mais do que é cada um para si mesmo!)

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