domingo, 11 de maio de 2014

Vento II (Ciclo da Nova Era)


E não há como não perguntar-me: afinal, embora andando, porque vai ocioso inutilmente a caminhar?   Será mesmo dos laboratórios infernais do governo federal essa uma nova espécie, de mendigo profissional?
Cansado de esperar caísse do céu, estende agora o seu rasgado e sujo chapéu e ainda pende do lado esquerdo, sem saber que há também o lado direito e o caminho do meio!
E ao esmolar, tropeçando nas pernas alardeia amaldiçoando a mar da fartura, quando às cegas vai pela rua dos miseráveis maldizendo quem tenha o que ele não tem e não pode sequer tocar, mas aprendeu e acredita cegamente sob a égide do estado que o deve destruir.
E segue a remar contra a maré, caminhando sem querer caminhar, pois, muito queria ficar esperando de barriga para cima e até o alimento desejava caísse em sua boca sem precisar abri-la e depois mastigar! E sem nenhum bem para chamar de seu, insiste que é maldito o dos outros!
Exigente, mesmo sem nada produzir afirma que é dono do bem do outro que lhe interessa e se não lho oferecem o esconjura e amaldiçoa!
E foi assim que outra noite ao passar o vento novamente por mim, a duas novas premissas me alertava, soprando suave: na primeira voz, que imagino fosse de sua boca na cabeça, me dizia que deveria seguir em frente sem recolher tesouros e sem esperar recompensas não desejasse também viver como quem espera a morte e uma escada para subir ao céu; já na outra voz que imagino fosse dos gestos, dos movimentos propriamente ditos, me ensinava que deveria dar morte ao externo, inútil, ilusório modo de viver na morte do lado de fora, como a vivem ao relento uns que vão ao léu...

E no conjunto de todas as suas vozes em coro me dizia e ensinava que do ir em vão – se em vão se passa na terra – em vão não se vai ao céu...

E foi assim muito breve que o vento a sussurrar num lance finito se esfregando nas folhas das árvores ao passar me disse essas coisas todas.

Por isso, de bom grado nem me importa que leve este papel onde escreva as suas falas, nem às máscaras dos personagens me incomoda que as jogue no chão. E até desejo muito que leve todas as migalhas, e às ilusões não permita se acumulem nas imediações de onde eu estiver; e doravante não permita que nada nem ninguém as gere em mim; e a quantos vão de personagens falsos a representar, não mais se me apresentem aos olhos nem aos ouvidos.


Pois – compreendo agora – uma folha solta de papel ou da árvore seca ao vento vão por encanto a voar naturalmente dentro dessa lei natural, alheias à falsa lei federal.

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