Destroços no Pântano
“No início era o verbo”: não se deveria confundir esta frase magistral, com a cópia que até parece sátira que em má hora a interpretaram os tradutores mal informados. Mas tendo atravessado os tempos corrompendo-se, veio até os nossos dias atormentar os pesquisadores da verdade e bem intencionados.
Não é o verbo agente da passividade simplória, nem expressão
da palavra que sequer havia ainda quem a falasse, antes da carne, que se faria.
Em sua mais exata e pura essência define o ato inicial da criação do universo, enquanto
Ação movida pela Vontade do Eterno, função semelhante como é até numa oração, e
desde aquele momento e para sempre enquanto existir o verso do uno, porque
antes era o caos da inércia passiva, a partir de então o verbo como embrião do
movimento dos movimentos é a Vontade Infinita do Eterno...
Bilhões de anos já se passaram e a voz ainda permanece
no estado passivo de um verbo estranho na tradição religiosa do ocidente, na
cantilena e na voz daqueles que pretendem transformá-lo em dízimos, credos,
dogmas e misérias mentais, quando na verdade é como é em todos os verbos a ação
de criar, gerar movimento, agir...
E é assim que por vis metais acorrentam os pobres de
espírito e miseráveis de saber, para com as trevas da mais crua ignorância
alimentá-los; e para que não os banhe também o sol da verdade; mas ainda um dia
hão de acordar com a luz que em vez de cegá-los como agora cega, abri-los-á.
Abri-los-á tão completamente, que de imediato os
olhos de seus falsos profetas diante de tamanha luz se fecharão.
Já pregaram à cruz o Filho do Verbo, acorrentaram à
terra todos os desvalidos mentais, e ainda em pedaços e escárnios o exaltam em
praça pública com exclusiva letra morta, e até aos berros agressivos e insanos o
oferecem a preço vil!
Aos demais a quem excluem e agridem com impropérios
rogando pragas e fazendo ameaças com o inferno, ah! a estes excomungados saúdo
em memória daquele momento histórico marcado por João, quando impedido de falar!
– Pois de qual outro “vocábulo verbal” haveria de ter saído o inferno, senão de
ínfero! (onde Ele desceu?), mas para lá não haverão de ir pastores, que o
inferno deles é de fogo.
E sendo já outono, as amareladas folhas caem ao
chão, anunciando rigoroso e duradouro inverno! Só muito tempo depois, já na primavera
novamente as flores e os lírios do deserto se abrirão, para deleite dos heróis
que ao rigoroso frio resistiram praticando o verbo como ação, não como ladainha
e canto vão.
Não são tantos os heróis, mas são bons por terem
resistido ao intenso e rigoroso inverno e nos estendendo a mão firme, deles
outra etapa mais lúcida e culta iniciar-se-á, mais sábia e livre da fé cega,
que a muitos ao abismo já arrastou.
Todavia logo vai amanhecer mais outro dia, mas não
há ainda o trigo novo! E o velho as formigas consumiu boa parte e um tempo
considerável há ainda que se esperar. Mas felizmente com a ausência dos
desejos, porque os objetos das paixões passem rapidamente, diminui a fome e não
há nada para temer... O verbo? Sim, o original no original sentido sacia a
fome, traz movimento, vida e renovação! Nem tampouco o movimento pode ser
interrompido!
Porém as vestes costuradas pelos fariseus de todas
as épocas foram-se-lhe retiradas, para que nesse dia brilhe a eterna
possibilidade de surgir a única verdade que atravessou todos os tempos, todos
os credos, todas as fés e ocultamente a única verdade escapou das traças.
E ante o pedestal que reflete a luz da lua e da
ilusão não ri o povo eleito à luz do novo sol... Porque até parecia um
pedestal, em verdade parecia, mas confirmam-se as suspeitas de que aquela luminosidade
todo era brilho falso: e o templo de barro edificado sobre o pântano e a
aparência de subido e santo, não passavam de mero reflexo da luz astral.
À sua volta não há cinzas, e depois da chuva há
lama; e o quadro triste aparece meio submergido na figura de uma boneca sobre a
lama denunciando que por ali também levaram crianças, também mentiram promessas
de fartura e salvamento.
Ante tal quadro chora quem passa por ali de profunda
tristeza, mas não de escárnio! Já, já a alegria se refaz sobrevivente das
lembranças antigas de quão tentadoras vezes pararam a ouvir promessas de céu e
salvamento, mas resistiram.
Felizmente não acreditaram, senão como estariam agora
ali, a contemplar o pântano, o abandono, quando rolam lágrimas de tristeza
pelas crianças que para aí arrastaram?
Ante seus olhos, o pedestal que lhes parecia subido
e digno destroçado e agora boia no meio do pântano, na lama fétida apodrecendo
com os dejetos dos seus criadores.
E assim paira quedo, imóvel, desfazendo-se sem
história digna de ser contada. Restos Cármicos materiais dos infelizes
exploradores da fé alheia, que se tornaram cegos e surdos ante o lucro da
profanação do Verbo Singular e nem na falsa arte será reescrita ou reciclada do
lixo, pois o sentido universal do Verbo Inicial foi, é e será sempre agir no
mundo em prol da evolução.
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