quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

BALANÇO DA ALMA


 

Caminho lentamente protegido do sol escaldante ao meio dia, por um bom chapéu de palha tecido pelas mãos mágicas de uma tecelã da tribo indígena.

 Ao tecê-lo mãos tão hábeis e ligeiras, até me fazem cócegas na cabeça. Mãos tecelãs mágicas, de repente o chapéu por absoluto milagre se transforma em frondosa árvore onde ao seu redor pessoas sentadas tecem diferentes e coloridos sonhos e chapéus. E eu desejo irresistivelmente descer do alto de mim e à sombra dessa árvore encostar-me, para aí descansar-me.

Ao longe, o rio ainda distante. Mais distante ainda o mar. Muito mais longe quase sonhando corre o Ganges milenar, o Indo cortado por extenuadas e místicos barqueiros debaixo deste estranho e mesmo sol.

Turbantes em vez de chapéus são uns trapos pobres enrolados na cabeça. De tronco nu enegrecido pelo sol inclemente e a moda milenar de enrolar as partes baixas com farrapos, dão o realismo ao meu delírio.

Estranhos estes seres e os seus braços remos - principais peças de um enredo delirante - cujas cenas não se vêem neste rio Ocidente, e ausente o místico milenar mistério dos barqueiros.

Rudes e mortais, os barqueiros deste rio adiante não os posso inserir num enredo metafísico à sombra da velha Índia. Nem este rio o rio Ganges nem o Indo hoje com seus cadáveres e sujeiras abismais no fim de um ciclo Oriental

Assim é que lentamente me aproximo das margens de cá do rio Ocidental, e ao longe, do outro lado margeia outro terreno sem qualquer emoção de distância.
    
Faz demasiado calor para sentimentos metafísicos. Ainda bem que a minha cabeça está protegida por um chapéu de palha tecido por invisíveis mãos de Índias sábias ocidentais. E ao tecê-lo e ao sentir cócegas de seus abstratos movimentos me dão a sensação de respirar.

A aba completamente tecida em delírios de calor forma a copa da frondosa árvore de ramos densos e verdes.

E à sombra dela protegido, quem diria, criaria a minha maior e melhor ilusão. Mas não é possível, por encontrar-me no centro do meu ser em posição vertical entre a planta dos pés no chão e o alto da cabeça arranhando o fundo do chapéu, voltar no tempo milenar internamente. Passou

Mas do lado de fora se desmancha a ilusão da copa da árvore da aldeia indígena, e surge novo cenário onde estou: à minha esquerda, já agora na volta para casa e olhando de frente vejo vultos passando em sentido contrário; e à direita observo o ritmo dos passos que vou dando em sincronia com o balanço de braço direito, solto; o esquerdo encostado ao corpo apoiado pelo polegar enfiado no bolso da calça, voltando assim num todo a balançar ao ritmo do corpo.

Mas desejo irresistivelmente criar um corpo metafísico e deitar-me dentro de mim com o rosto voltado para frente sobre o ombro esquerdo, repousando a cabeça já muito cansada sobre a alma.

Mas para que eu coubesse dentro desse corpo nessa posição, teria que dobrar as pernas para frente na altura da “bacia” na posição sentado e encostá-las na barriga dobradas igualmente para trás na articulação dos joelhos, em posição fetal.

Imagino até que se o braço direito parasse de balançar fizesse fosse mais útil e em vez de apenas balançar pudesse abraçar-me de encontro às costelas, mas desisto de deitar-me por duas razões lógicas: a primeira porque temo cair com o balanço do corpo e sem o contrabalanço do braço a balançar indo ter ao baixo ventre e aí prender-me por longo tempo. A segunda por se encontrar o braço do lado de fora e eu do lado de dentro, tendo as costelas intermediando-nos.

Sigo então neste meu eu sensível hirto dentro de mim abafado de tanto calor, entre a alma à esquerda e o quase vazio lado direito num ambiente pulmonar ainda cheio de ar, mas bastante escurecidos pelo longo tempo que fumei.

Ao alto vai a minha cabeça já sem saber se dentro ou fora, mas certamente dentro do chapéu. No chão protegidos por velhas sandálias vão meus pés pelo caminho escaldante de costas para o rio, quando retorno para casa sem dela não ter saído...

Pois eu posso sim, amigo e paciente irmão ou irmã de jornada estar assim dentro de mim deitado com a cabeça aconchegada sobre a alma à esquerda, posso sim! Ou de pé a balançar quando caminho e penso. Este exercício de pensar eu o aconselho, por favor, nunca, mas nunca mesmo deixai de pensar!

Mas realmente é assim mesmo: quando caminho o balanço é um, quando penso o balanço é outro. De qualquer modo balanço ao ritmo de mim mesmo, porque de outro modo não é possível, nem seria justo o balançar.

O estado dentro ou fora, deitado, andando ou a pensar, e até ausente deste meu eu carnal sonhando, mas dentro de mim certamente enquanto aqui estiver neste meu ir irremediavelmente PASSANDO!!! 

6 comentários:

  1. Ser ligado às plásticas é um handicap. É um 'plus'. Que consegue dar uma visão tridimensional às palavras. Você conseguiu, 'Seu' Moço Julio!
    Senti muito calor ao ler o texto. (Cadê meu Panamá legítimo, Made in Equador? Cadê o meu leque cheirando a sândalo, igualzinho ao da minha Bivó?)
    Do tipo de derreter proparoxítonas em intejeição: Ui!
    Mas, talvez, o mérito não seja tão somente da sua prosa: Faz 40º no RJ... Enfim, o externo derrete o corpo e o interno aquece à alma.
    Grata. Boa Sorte, Norma♥

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  2. Sinceramente pareceu-me ouvi-la bem rítmica: (Cadê meu Panamá legítimo, Made in Equador? Cadê o meu leque cheirando a sândalo, igualzinho ao da minha Bivó?)
    Aos 40 graus quase à sombra do TO chapéu algum nem de capim dourado rsrsr
    Ah, essas palavras que às vezes me irritam quando de tão teimosas e não querem sair do lugar comum de tão preguiçosas! Preguiçosas ela ou eu? rsrsr
    Verdade, o interno aquece a alma e que se dane o resto, não é não Sua Moça!
    VC foi um grande "achado" na relva fresca e verde onde vão até palavras.
    Chegou primeiro email.

    Obrigado, fraterno abraço
    Como diz o Oculto: LPD A. N. N.

    Júlio

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  3. Julio,
    Há uma TAG (Meus Queridos Todos) que tem 'queridos' do Brasil de Norte a Sul, que mesmo só alguns que se conheçam pessialmente, têm em comum o fato de buscarem o auto-conhecimento e a expansão da consciência, que tornam todos extremamente familiares para mim. :)))
    Vc foi colocado nessa Tag.
    Os de fora da nossa terrinha, qdo muito importantes eu os traduzo. (qdo e se tempo houver - rs.)
    L.P.D: Lute Pelo Dever em linguagem permitida, mas tem mais não permito.
    A.N.N. : At Niat Niatat: um por todos e todos por um
    Demoro, mas aprendo, viu?
    Um Pisc* por extenso = um piscadela! Qual o idioma?
    +++++++
    Não sou a sua mãe. Não vou 'mandar': "Leva o casaquinho, menino teimoso!
    Mas, com esse Sol, não tem como não sugerir: Põe o chapeu, Moço!

    Boa Sorte, Nac♥

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  4. Faltou dizer, meu caro:

    Não sou (toda) essa 'flor de criatura', são os seus olhos, Moço. Nem tão relva verde, nem tão mandacaru (rs).
    Mas melhoro e me inspiro com o espelhamento alheio.
    Boa Sorte, Nac♥

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