Língua
Ele, o maior de todos os poetas, dizia ao final de
sua longa e rica jornada, pendurar os órgãos com que contava num salgueiro. Aí depositados, depois de magistralmente tocá-los juntamente com as suas guitarras e flautas, afinadíssimas, calou-se; mas o som da sua música, eternizou-se!
E eu, que não possuo órgãos para cantar nem
guitarras, o que afinal penduro, se nem salgueiro tenho, quando já se me cala
a voz e até o ânimo? E à única voz rouca que ainda eu tenho, além de inculta cada
vez mais magoada e triste, cala-se!
Infelizmente, para minha maior tristeza não se calam
as vozes vindas lá de fora, misturadas com falsos sorrisos e promessas de
carinhos, criando fantasias e anseios. Não para mim, claro! Felizmente para
essas vozes já cerraram com cimento meus ouvidos; e à minha ideia de alma não
agridem mais.
Mas não é que, por milagre, de repente todas as
vozes se calam! Pena que mal abra os olhos de espanto e num instante a voz do
mundo novamente aos trovões grita impropérios, vende com falsas ofertas e falsas
promessas a todos os nadas!
E até Deus, que ironia, outrora em cerimônia
ritualística sequer se podia proferir o seu santo nome em vão, vai agora aviltado
e oferecido a preços vis em pequenas porções e pequenas medidas! E até se
preferirem, embalado vulgarmente em plástico e outras vagabundas formas fabricadas na China e contrabandeadas pelo Paraguai o despacham pelo correio, para
onde encomendarem esse deus, que pelas ruas e nas casas de oração vai rolando.
Enquanto isso, crianças vão à escola aprender o que
há muito deveriam ter esquecido, e os seus pais, arcaicos e surpresos mal sabem
quem são as suas crianças! Uma quase infinita distância existe hoje entre a
nova criança e o velho adulto.
Abismos culturais se estabeleceram e grossas paredes
de concreto armado se ergueram entre cada homem; e talvez só mesmo o tempo,
cuja ação mais preciosa é a morte poderá corrigir e eliminar os obstáculos
em alguns séculos!
Contudo, nivelar a sociedade humana por decretos jamais
será possível. Enquanto houver indivíduos - e a natureza levou bilhões de anos para criar indivíduos - haverá fomes, lutas e intolerâncias,
conquistas e derrotas, sábios e idiotas, grandes e pequenas mentiras e a vontade cada vez mais
férrea de um déspota, querendo dominar os outros.
E foi assim que um vulgaríssimo cidadão parou um dia
diante do poeta mor, para feri-lo, mas o ferido foi Camões, o imortal! e esse
algoz, que nem de personagem lhe serviu, que nome tinha?
Talvez mais nobre e digno do que ele até o salgueiro
soberano e também os arvoredos, com as suas frescas sombras e as fontes fossem, sim,
sim enquanto eternas em seu canto e no mundo vivam!
Louvemos então ao Poeta Maior e aos seus pares, e reclamemos
respeito a quem escreve e exercita o hábito de fazê-lo, pouco importa o que escreva, desde que o faça sem vis motivos financeiros, e desde que também não cometa aberrações
nem atentados, estuprando a língua.
E àqueles que a enriquecem ao longo do tempo salvem, deem guarida amiga, por esculpirem magnífico lustro pelo uso culto e popular
dom, em luso verso e belo prosear.
Todavia regrada e muito bem canonizada pelos
elitistas das letras! De tal sorte que é hoje já uma gigantesca e magnífica
obra de arte, cujo ressoar no canto eternizou-a Ele e outros Grandes, antes de
nos salgueiros e outras árvores generosas pendurarem os órgãos com que contavam
suas alegrias e tristezas, os seus amores, as suas fantasias e belezas, que só uma
língua mãe pródiga e gentil pode oferecer.
Oh língua maravilhosa!
ResponderExcluirSalve!
Apoiada. Salve!
ExcluirOh, visitas benditas! Salve amiga Dolores, salve Normita!!!
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