quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

TESTAMENTO II



Terei feito a minha estrada de quimeras e a calçado com papel velho amassado, pedaços inúteis descartados, em vez de pedras assinaladas? E às letras, as recortei de um jornal amarelado, arcaico, e joguei-as como folhas secas sobre o papel em branco, que pretendi escrever?

O que terei feito com o mínimo conhecimento da língua pátria que, ao escrevê-la, a verti literalmente ao papel? Verti? Sim, verti, pois translado é termo muito culto, para referir as minhas palavras, com que temo macular a língua. E isso eu já sei bem, não é mais só a bela flor do lácio inculta! Ela cresceu, enriqueceu-se, desabrochou em mil jardins e hoje é muito mais bela que aquela velha senhora do poeta que servia em nome do velho lácio!

E por sua beleza, tempo de maturação, não tenho vaidade ou pretensão para desvendar teus mistérios, que não me atrevo a tanto, mas profundo respeito por ti sim, mãe língua, e ainda que te desconheça tenho orgulho e muita alegria de entender-te num arranjo orquestral, em lusófono concerto.

E por não ser eu para ti uma rica seara em que vás semeando e produzindo maravilhosos frutos, te devoto meu sentimento rude de admiração,e honrado estou por ver-te tão cara em mil faces esculpida por “Camonianas” mãos e Vieirinas prosas, só para citar o tronco de gigantes de cuja árvore... tens quem te espalhe pelo mundo bela!

De minha autoria o que eu fiz contigo até para mim próprio é um pouco misterioso e estranho, mas ainda assim haveria quem entendesse minha alma em português, se me lesse; mas ninguém quer arriscar editar um livro cujo autor o ostracismo envolve tão completamente, de modo que pouca gente me vê, mesmo quando vagarosamente caminho pela rua.

Pois também o andar célere passou de minhas mais primárias condições físicas, e já as energias não provem mais que um andar lento e o movimento mal me tirem do lugar.

Também o motivo para meu ânimo se inflamar e reagir com agilidade e destreza resfriou, enfraquecendo-me também o entusiasmo; e neste estado nada além do sono profundo acalento, ainda que ao da morte não deseje.

Mas como as formas fragmentadas mantêm-se ainda, há o substrato de muitos inúteis sonhos que sonhei... Mas não sei com exatidão se esses fantasmas do passado misturados, vão agora de sonho ou pesadelo. Pois sim, como fantasmas à noite rondam meu sono de astrais elementos, causando-me irritação e profunda inquietude; todavia, como é o único momento em que saio de mim, não sinto dor em nenhum órgão ou membro.

Tivesse alma, não tenho certeza de ainda ter uma pessoal nos modelos de alma universal mitóloga, seria ela a responsável por tudo, para quem sabe justificar certa pusilanimidade; como não tenho certeza de mais nada, me restam dores físicas quando acordo bem mais reais e concretas que as metafísicas.

E até os dedos com os quais digito grosseiramente estas palavras hão de suscitar dúvidas de incompetência quanto ao objeto em questão: seja das minhas palavras na expressão de pensamentos confusos para quem os lê, seja a falta de habilidade com as mãos para digitá-las.

Isto, já agora ao anoitecer de outono de uma vida humana, mas com aparência de pleno inverno, sem, todavia já nem desejar também nenhuma primavera.

E digo-o assim ao sabor visceral de o dizer, sem o falso escrúpulo de esconder a decadência humana, que ao longo de muitos anos dedicou-se a fazer arte à qual já não tem certeza de arte poder chamá-la.

Pelas marcas indeléveis dos calos nas mãos sim, mas não creio que essa identificação assegure identidade a um artista. As da alma sim, guardam as características dos atos falhos dos amigos, das frustrações, de alguma inação, e de algum modo fazem de mim um singular ser artístico, porque tenha sobrevivido embora invisível.

E estas pessoais marcas serão para sempre as minhas características, meus códigos, mas já sem dor. As da alma, essa alma real - emoção que sente e a razão que sabe - não passam nunca.

Ah, os calos do coração tão duros! Quem os haverá de remover? Os olhos revelam espinhos dos sentimentos e eu, como tenho olhos azuis, disfarçam bem... Mas sou como já o disse antes me referindo a um personagem oculto que habita meu pequeno universo das letras - o Encoberto. Não só em minhas páginas que ao longo do papel fez papel, mas, sobretudo Encoberto perante o olhar do mundo que tão concretamente passa pelas ruas e não me vê! Compreensível, por outro lado, devido o olhar mecânico imposto às pessoas pela máquina, e assim, como quem não olha poderia me ver?

Sou então também o deserdado do olhar, descoberto de prazer e de prestígio de quem me conhecendo me desmereça; mas por ser eu enquanto eu inteiro para mim mesmo, pouco me importo ser nada para quem passa sem olhar... (Gosto e respeito só às pessoas que dizem alguma coisa, mesmo sem dizerem nada).

E por acaso deveras não seria estranho ser eu o Encoberto para mim mesmo? Ainda que ao recordar as passagens de convivência social seja totalmente invisível, mas se houver no mundo quem em algum momento não foi igualmente para si e para outrem, é porque não existe ainda enquanto ente consciente, ou mente para si mesmo e de cabeça levantada com ares superiores em pose de inteligência e outras artes, passa rindo.

Talvez porque ignore o que seja conhecer e vá distante infinitamente de qualquer senso de mensuração, peso e dimensão do seu próprio “tato”!

Mas em termos razoáveis de análise humana, sou mesmo Encoberto na relação de valores e de importância, que as pessoas dão umas às outras...

Encoberto e sem direito a um espelho ou a uma voz! Mas os espelhos em que muitos se miram; as vozes com que muitos falam o que falam honestamente isso eu não os quero.

Embora eu tenha no espelho excelente modo de olhar por reflexo e por observação obtendo parâmetros e verdadeiras analogias, virtudes relativas e defeitos passageiros...

E também à voz tenho em boa conta como um instrumento de exaltação e de execração através da palavra, tal como deve ser a língua em que se expressa a canção e se espalha pelo ar, ou um postulado que se enuncia uma sentença que se profere. Ainda enquanto lei a que condene ou liberte da prisão das trevas da ignorância. Ou até numa profecia que anuncie a volta de um Deus em encarnado, a fim de nos conduzir.

Mas também para muitos homens o negarem e depois de morto e estranhamente o venderem aos pedaços e pedacinhos, de acordo com a bolsa ou embornal de cada comprador.

Tenho então realmente do espelho a ideia da magia, ser e me ver como Encoberto, para desse gesto obter o conselho e o eixo de hoje ser aquele que se liberta de seus orgulhos e vaidades.

Esse mágico olhar liberta-me também da ilusão de que tenha exclusivos conhecimentos ou poderes ocultos, com os quais possa aos semelhantes salvar ou simplesmente mais que qualquer semelhante!

Pois, sendo Encoberto não estou nunca nem longe nem perto, nem fora nem dentro. E naturalmente descoberto de alguns “valores” porque a esses valores já não deseje!

6 comentários:

  1. Olá Julio querido.

    Andas a ler Augusto dos Anjos?

    Dá para cortar com faca essa névoa...
    Fique bem, Nac♥

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  2. Não.
    Com faca? rsrsrs até com uma régua de madeira.
    Mas já passou.
    Obrigadão Norma10 rsrsr (???)

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    1. Julio,
      Vc sabe! (isso é uma afirmativa)
      A energia chega primeiro.

      Outro ass.: Vc é artesão?
      Bjo nac♥
      P.S.: O WPress ñ me reconhece aki nos teus domínios - sniff

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  3. A energia segue o pensamento.
    Sou. Em madeira e óleo sobre papel.
    Eu nem sei como posso ajudar com essa
    droga de códigos internéticos...

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  4. Norma, você mora aonde?
    Gosta de escrever?
    Quer trabalhar um projeto a quatro mãos?
    Editora não temos, mas temos Papa rsrsrsr
    fraterno abraço
    Vou postar aqui uma talhas...
    Júlio

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  5. Ipanema - RJ/RJ
    Sim
    A ver. (estou com algumas portas abertas, necessitando ser fechadas - com elegancia - depois podemos ver se a distância não for impedimento - rs)
    Talhas? Gosto muito. Poste sim.

    Um mimo:

    http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=NqakBJgl9Lw

    Veja. Divirta-se ou se descabele (rs.). Eu recebi do cineasta Beto Bertagna (Superint. do Iphan em....Porto Velho/RO. Um viva para internt!

    E me respondeu assim, ao meu coment:
    Não gosto de responder assim, mas não me ocorreu nada no momento a não ser kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
    beto

    M/coment.:
    Beto:
    Uma dúvida: Quando ele fala: "Acorda, Po#$a !

    Tá se referindo a 20m de corda (e um banquinho*) a ser usados após ver o vídeo e atingir o pleno estado de consciência de quão 'otário' sou ?

    (*) - item opcional ou de fábrica?

    "Oh, e agora quem poderá me salvar?

    (gif do Chapolim Colorado)

    Vá a pé, magrela, patins in-line roller, caiaque ou nas asas de um beija-flor.
    Boa Sorte, Bjo Norma
    Bjo Nac

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