sábado, 7 de junho de 2014

NOBRE DAMA


Ao final daquela memorável tarde, descia a rua sossegada e até o sol já brando de raios dourados se refletia em sua cabeça coroada pelo tempo harmoniosa, e aos seus cabelos brancos dourava majestosos. Descia a rua sossegada, aquela mulher serena e prosseguia seu caminho.

Aonde iria a nobre dama, aonde iria? E o que andava agora sorridente em seu coração a consagrar? Saia honesta até os joelhos, blusa branca, de seda, que ao seu rosto clareava, de cabeça descoberta que não tinha o que esconder nem ao que quisesse simular, descia a rua sossegada a nobre dama, sossegada e serena a caminhar.

Quem seria aquela nobre dama? Ninguém ousou lhe perguntar; e de cabeça luminosa levantada seguia em frente altaneira e bela fêmea, passava sossegada essa linda mulher a caminhar.

Pela rua afora de espírito sossegado, era o que revelava o sorriso luminoso de quem cumprira a juventude consagrada e bem vivida. E porque ao seu tempo colorisse de lealdade, olhou serena e com bondade ao triste semelhante maltrapilho que passava, e à cabeça inclinando em reverência docemente lhe sorrira.

Mas seguiu em frente! E ao voltar os olhos para trás só ao triste mais uma vez o olhou com doçura, de espírito levantado, a nobre dama ao triste que ficava outra vez sorriu e outra vez voltou a olhar e prosseguiu o seu caminho.

Três vezes de olhar silencioso olhou a dor no pobre ao passar, três vezes consciente àquele tombado ser, que sequer sabia quanto sossegada a nobre dama oferecia em bom olhar da compaixão.

Quem seria a nobre mulher, que ao descer a rua tanta admiração e bom dizer houve em todos despertado? E quem seria aquele triste, a quem a nobre dama celebrou três vezes?

Na penumbra da tarde, ao longe desaparece por entre um clarão do sol poente avermelhado ouro. E de seu rastro meio furta-cor, muitas interrogações ensejava e até uma saudade longínqua dela nascia. Hoje, além do pergaminho desta narrativa, habita o imaginário de quem a viu ou ouviu falar que viu em sua passagem, embora nunca mais vista, tampouco esquecida.

E quem poderá dizer não ser agora algumas décadas depois uma linda menina de olhos morenos incomuns, cheios de mistério longínquo e sereno? Tanto que ao sorrir de novo seja sempre alvissareiro, e nunca canse olhar para ela!

Quem era antes e será agora esta criança? Serão a herança dela ora os cabelos negros, sedosos? E daquele no olhar longínquo os cabelos brancos fruta cor ao por do sol? Será o bendito fruto daquela altiva dama, que pela via antigamente tantas mulheres ensinou a altivez de andar na rua?

Quem será a criança ora presente e tantas mais que riem e alegram a quem triste passe por elas? Quem saberá dizer onde foi parar no tempo aquela mulher de bela lembrança e aquele triste que por aqui passou? E quem teria escrito o pergaminho com a narrativa da passagem da Dama Altiva celebrando o pobre?

Ah, mas estas lindas morenas, mulatas, louras e todas as damas que ainda agora por aqui passam a sorrir e a olhar, que belas flores, que belas fêmeas!

É nobre a memória, de não esquecer a nobre dama, que passou por aqui um dia! E como é gentil e animador vê-la agora nas crianças a brincar!  

Pois quem quer que por aqui passe agora, quem quer que tenha ouvido falar da nobre dama, renovará a esperança e a certeza de que a nobre dama nunca mais há de nos deixar, nem ao seu nobre gesto de três vezes ao triste olhar em reverência! E enquanto existirem mulheres, sempre altivamente hão de oferecer brilho infantil, sereno, ou já longe do tempo primaveris boas memórias e outra vez nobres senhoras! E por causa delas, cada vez menos tristes à beira do caminho!



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