domingo, 8 de junho de 2014

REFLEXÃO...


Cansada de por aqui andar perdida entre promessas e esperanças vãs, resolveu voltar a seu país, a grande e Nobre Deusa das Artes.

O seu nome continua sendo “Epopéia Antiga”, e em outra denominação popular “Sem Época”. Os seus predicados são por muitos cobiçados, mas a pouquíssimos concedidos e assinalados em cânones, medidas, proporções harmoniosas e estéticas.

Pela ausência desses atributos nas obras de arte em letras, pinceladas, atitudes, sons, cenas e em todas as versões já deformadas pelo tempo em novidades e dinheiro, é que ela partiu chorando.

Despediu-se em lágrimas, mas jamais curvou a sua cabeça; de rosto tenso, sim, mas ainda sereno. Nem olhou do lado quando sua nave partiu; deixando atrás de si apenas um rastro magnífico de traços, cores, notas, estrofes, versos e formas geniais entre seus filhos, que até ela foram despedir-se.

Abraçou um por um afetuosamente nume demorado abraço e os beijou no rosto, confiando-lhes também um código secreto ao ouvido, para que nunca se perca nem o modelo original nem a essência da arte; às academias legou alguns livros antigos, tais como tratados de filosofia, letras, arte, ciência, ética, poesia...

Mas o reitor socialista fazendo coro e porta voz de uma proto-filósofa de uma escola "moderna" olhou tais livros com desdém torcendo o nariz, mas ela muito perspicaz olhando para um discípulo muito querido, piscou-lhe os olhos a sorrir, como quem diz: ele não sabe de nada!

Antes de partir visitou algumas entidades de ensino, e as instituições envolvidas com a produção de arte; mas raras foram as suas palavras. Quando precisou falar a alguém o fez em sigilo e ao ouvido de um ou de outro.

Mas quem ouviu deve ter prometido nada revelar, pois mantiveram o segredo e nunca ninguém soube o que ela dissera.

A esta nobre Deusa ninguém mais veria; mas poucos, muito poucos, mas muito especiais discípulos felizmente resistiram por aqui; nem todos sobreviveram; e os que sobreviveram penam pelo abandono, cuja qualidade talvez peque pelo excesso em tempos de escassez de dignidade estética; embora essas obras sejam absolutamente normais, mas considerando o tempo e o que se consome...

Afinal quem há de interessar-se por arte, ética, estética, literatura, se livros abundam sem nada exigem do pensamento, nem guardarem compromisso com o caráter das coisas sérias? Se de qualquer jeito até conduzem ao alto das academias e ao estrelato?

Entretanto, e isto não se pode deixar de revelar nem esconder: a uma dileta pessoa, antes de partir ela teria revelado um segredo de que voltaria: ainda nesta vida ou em outra, mas quando o mundo já estiver livre dos fantasmas novelistas que invadiram o lugar dos artífices, e os malfeitores o lugar dos homens honrados.

Pois como está, ocupando o lugar dos nobres governantes, nobres ministros tanto políticos quanto ecumênicos andam esses trastes humanos, apoiados pelos artistas dessa mesma estirpe duvidosa e muito pouca ética?

Tanto que, quando um senhor de olhar distante e porte altivo, rosto severo e sério tomou conhecimento de sua partida, olhando o horizonte e fitando o céu por longo tempo em silêncio viram-se grossas lágrimas a rolar de seu rosto abaixo.

E também para este estranho e nobre senhor soltando-se da mão de sua mãe, uma linda menina de aproximados quatro anos correra feliz ao seu encontro!

Ao tomá-la no colo, com grande carinho segredara algumas palavras a seu infantil ouvido, mas nunca essa criança revelara o que lhe dissera o misterioso cavalheiro, que em seguida desaparecera. Viu-se apenas que no momento em que lhe falava, a menina sorria feliz e o seu rostinho todo se iluminava!

E então, como diante deste drama a esperança há de sustentar-se? A deusa das artes e da cultura partiu chorando; o ancião que a reverenciara a vida inteira - e que também a consultava – chorou copiosamente e só a uma criança inocente confiou o segredo?

Mas há esperança, ainda, sim, embora frágil consagrada no singelo e puro sorriso daquela criança.

À primeira vista parecerá efêmero, mas não é. Afinal, o homem pode chorar e não ser nobre e confiável o seu choro, nem o motivo pelo qual chore elevado; também a deusa das artes e da cultura pode ter ido embora, prometendo voltar e não cumprir a promessa devido às condições que impusera. Mas o sorriso da criança não guardará jamais dissimulação, nem é o motivo porque risse e seu rosto se iluminasse pueril; em seu coração reina a essência original da paz e da honestidade, que no adulto pereceu ou corrompeu-se.

De qualquer modo caminha o mundo apoiado em duas hipóteses: uma real e luminosa representada pelo sorriso daquela criança; e a outra abstrata ou subjetiva da promessa do profeta de todos os tempos e de todas as doutrinas de um futuro terrível, cujo desfecho coincide com o desmanche atual de todas as correntes do pensamento humano, muito bem delineado já terrível no presente quadro político, religioso... (E se no inicio era o verbo é compreensível que no final predomine a corruptela da palavra aviltada sem crédito, sem essência nem responsabilidade).

Apenas ao atual desmanche os dois personagens reafirmaram! Ela, a deusa da cultura que partiu chorando a prometer voltar só depois da tragédia, e ele que antes de falar ao ouvido da criança também chorou antes de seu desaparecimento.

Isto, depois de tantos anos de civilização é realmente constrangedor e quase nada representa enquanto conquista da humana civilização. Todavia são as únicas coisas confiáveis frente às promessas de céu e salvamento, que em fórmulas prontas e franquias multiplicam-se todos os dias, oferecidas ao preço do bolso de cada um. Ainda que por causa destas modernas instituições governamentais e igrejas, à boca de uma criança falte pão.

Mas ainda assim vale a pena estar aqui, principalmente quem não se deixou contaminar pelo apelo simplório e fácil dos simulacros, e a esperança resida na única hipótese, mas muito bonita do sorriso daquela criança!

E não resta a menor dúvida que esperança mais digna não há, mesmo para aqueles que precisam acumular fortunas para construírem altas barreiras e atrás das quais querendo proteger-se.

Todavia em vão, que o céu é alto e já voa por lá o homem armado com poderosas lentes observando tudo, e ameaçando de cima. Embora ele próprio possa e venha infalivelmente a cair dessas alturas.

Ou então já embaixo, caso não tenha sido esmagado com a queda, mas o será pelas bombas, que sobre ele recairão.

A melhor atitude, diante da realidade extraída desta metáfora em que ficaram órfãs as artes e as ciências com o regresso da deusa à sua pátria, é voltarmos ao simples e natural estado terreno, em que a própria natureza nos forneça o sustento do corpo e da alma, que o serão também de espírito.

E naturalmente acreditando no cânone da vida, consagrado no sorriso das crianças. Porque é natural que uma criança com fome não ria, e por ser natural rir de incontida e inocente alegria se não faltar o sustento do corpo e da alma, que hidrate os neurônios onde se processa o pensamento, o primeiro atributo de Deus nesse futuro homem.

Pena os fantasmas abundarem comandando provisoriamente o mundo na mesma medida em que desviam quais roedores os provimentos comunitários!  
Por isso, e por ser só o que nós podemos fazer, oremos nessa prece:
“Bendita seja a palavra de todos os seres humanos honrados, reverberando o sorriso dos anjos refletidos na face das nossas crianças!”


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